Quando o dizer não tem claramente
uma estratégia de construção de sentido, de invenção de verdade, ele se faz
livre para produzir narrativas de devir. Nestas, o sentido é encadeado por
imagens através das quais o texto inventa a si mesmo. Cada enunciado é consequência
do outro, seu desdobramento mais natural, na teia viva da imaginação criadora.
Ficção e realidade deixam de estabelecer
uma dualidade discursiva inspirada pela pretensão a verdade. O simulacro é a
condição da linguagem. O próprio real é uma construção de nosso modo de
codificar e dizer o mundo.
A exposição narrativa já não se
pretende nem expositiva e muito menos analítica. Não se engaveta nos armários dos
conceitos; não estabelece normas, ou pretende reduzir a si mesmo a essência das
coisas como representação.
É preciso que haja antes uma consciência
das palavras antecedendo o sentido de uma frase. Pois o dizer é uma forma de
reinventar significados. E o significado de uma frase pressupõe uma palavra objeto
que conduza a próxima frase, expontaneamente ao próximo passo. Quando nenhuma estratégia
ou objetivo discursivo se coloca na narrativa.
Não se fala aqui de escrita automática,
como faziam os surrealistas. Pois há certa intencionalidade no ato do discurso.
Mesmo que não previamente direcionado. Mas improvisado como o fluxo do próprio cotidiano.
Não raramente o previsível de nossas rotinas nos surpreende. Isso também serve
para um texto.