Eu deveria estar fazendo qualquer
outra coisa. Mas perdi o dia estendido sobre a cama submerso no inútil ofício de não pensar em
nada.
Sei que lá
fora muitas coisas estavam acontecendo. Mas eu não me importava. Não queria
tomar partido, fazer parte de coisa
alguma. Me bastava ficar aqui, tropeçando em ideias soltas.
Era como se eu não existisse. Ou,
simplesmente, mergulhasse em um extra existir pessoal que desconstruía tudo a
minha volta. A realidade me parecia surpreendentemente frágil, tanto quanto
minha consciência das coisas.
Sinto-me tragado para dentro do
vazio, expelido de minha humanidade. O que é o pensamento afinal? Ele não tem
natureza. Não existe em parte alguma. É como um fantasma que nos possui o
corpo. O pensamento não existe, mas não consigo fugir dele, pois ele é minha
própria consciência. Não passa de um sintoma do meu corpo vivo.
Mas eu me sentia agora enterrado
em um mar invisível. Podia sentir fisicamente o turvo das águas, minha
imobilidade por estar engolido pela
imensidão, pela incerteza que crescia em todas as direções. Posso quase por um
instante provar o inexistente...
Olho o que não pode ser visto.
O que não esta em parte alguma.
É isso que os mais fracos
cultuam:
O vazio... o incerto e
incontrolável
De nossa condição de viventes.
È nisso que eles veem divindades
E tolices sobre o meta humano,
Sobre o mais que si mesmos.
Tenho pena deles
E rio dos medos que lhes
inspiram.
Mas é comigo, apenas comigo, que
estou preocupado. Os outros são apenas sombras que fechei do lado de fora. Mas
como é possível me livrar dos outros? Minha consciência e pensamentos são os
outros dentro de mim. Pois é através dos outros que aprendemos a pensar, a
acreditar na realidade.
Dias e noites já não são
visíveis. Nem importa mais onde estou. Um anão manco joga xadrez com o tempo.
Ele vai perder. Sabe disso. Mas não tem a escolha de perder o jogo. Enquanto
pensa seus movimentos e cria suas estratégias ele tem certeza de si mesmo. Mas
aquele jogo já acabou. Ele apenas não o percebe. Não há mais jogo, apesar das
peças e do tabuleiro.
Eu preciso escapar da armadilha.
Fugir do sentido das palavras, rasgar a frase antes que ela me engasgue. Mas
não consigo... O que estou fazendo?
O abismo esta no meio de nós...
O vazio esta dentro de nós.
Riam do ridículo da vida.
Bebam o absurdo.
Pois ele é tudo que há.
Penso na tela O ILUSIONISTA
de Hieronymus Bosch... Somos presas
fáceis da verdade, esta meretriz da realidade!
A estupidez humana toma como mágico e perfeito o duvidoso, aquilo que de tão claro não se pode entender.... A verdade é apenas um truque de mágica que perdura a
milênios. Sou apenas aquele que já não é. A imensidão humana me
consome como uma gota de nada. Fico para trás, me desfaço a cada segundo, mas
continuo jogando um jogo que não existe contra um adversário abstrato e
impessoal. Não posso vencer o tempo, mas não é possível evita-lo.
As palavras escritas não tem som.
Mas o som é a condição das palavras. Escrever é o paradoxo do silêncio e da
solidão. A violenta oscilação do sentido
faz da deficiência uma virtude. Palavras só existem onde existem dois. Ninguém
escreve para si mesmo, a menos que encontre o outro que mora dentro de si
mesmo. Vamos nos perder em escaramuças.
Não há substância nas paredes do
quarto. Estou aqui e em todas as partes. O mundo existe dentro de mim como um
mosaico insano de situações, pessoas, lugares e coisas. O mundo é uma
insanidade, algo que não cabe em meu pensamento.
O pensamento substitui o objeto
da percepção, encobre o caos com a realidade. O absoluto da percepção nos
levaria ao suicídio, por isso só podemos existir através da palavra. Mas ela
não é tudo que somos. Queria poder saber
tudo aquilo que esta ocorrendo dentro do meu corpo agora. Entende-lo como um
arranjo abstrato de moléculas em vários níveis de percepção. Não existe nada daquilo que posso sentir e
ver. Há uma dicotomia entre a identidade da percepção e a identidade do
pensamento.
O
jogo das oposições é a premissa do pensamento, do perceber humano das
coisas. Estamos expostos ao perigo, a angustia de existir e é contra ela que
pensamos, que nos fazemos na ilusão do Si mesmo.
A angustia fóbica,
Os pesadelos dos sonhos da razão.
A angustia ontológica.
As margens do sentido me
desfiguro
Através da febre das imaginações.
Uma simples perturbatio
animi me define agora sobre a cama em narcísico esforço de me parecer
inteiro. Mas o mundo está em frangalhos
e eu me vejo perdido no tabuleiro de xadrez.
Um substrato incognoscível parece
dizer o diário simulacro em que existo em tempos de pós realidade.