Eu tinha uma história para
contar. Mas ela fugiu de mim antes que pudesse ser escrita, como um sonho
intenso que se dissipa na primeira hora do despertar. De repente, ela simplesmente não estava mais
ali. Tornou-se silencio voluntariosamente. Como se não tivesse encontrado em mim seu vidente. Pode
ser mesmo que eu não fosse digno.
Há textos que se inventam na
gente, mas somos incapazes de compreende-los, de dar conta deles. É como se
eles nos ameaçassem mesmo a sanidade, o equilíbrio e o cotidiano. A vida das
palavras podem mesmo transbordar a gente. É como uma possessão.
Assim é a história de um texto
que não foi escrito. Nem mesmo sei se era um romance, um simples conto ou um
poema. Apenas me lembro que era terrível. Posso ainda intuir seu fantasma. Mas
não posso dizê-lo sem correr o risco de no ato inventar outro texto.
Mas eu tinha uma história para
contar e nem mesmo sei dizer qual era seu enredo, seus personagens e o seu
tempo. Acho que era sobre qualquer coisa que eu não compreendia. Ou que, pelo
menos, não queria saber. Talvez ela não tenha fugido. Mas eu a tenha recusado
sem perceber ou querer.
Não havia lugar em mim para ela. Entre nós existia qualquer desencontro entre palavras e coisas
que desandavam o dizer de tudo. Era como uma luta entre o sentido e o não
sentido, entre a imaginação e a realidade.
Não sei do que estou falando. Mas era uma história sobre todos nós. Ouso
dizer: uma revelação!
Quem nunca teve a intuição de
algo terrível por detrás das paisagens
do existir cotidiano e banal? Os loucos intuem estes subterrâneos que
poderiam por tudo a perder. As vezes nos
esbarramos ou tropeçamos neles. É perigoso.... sempre é perigoso. Podemos
perder o senso de realidade. Tomar como verdade a fantasia.
Quem sabe mesmo esta história que
não foi escrita não seja a realidade? Tudo o que agora penso pode ser um delírio
ao qual estou preso. Ninguém pode provar que estou errado através de induções e deduções vazias que só
fazem sentido quando acreditamos nelas.
Eu não acredito em nada. Não sei
de nada. Apenas lamento a perda daquela história que não fui capaz de escrever,
seja por que motivo for. Ela está em alguma parte e posso mesmo reconhece-la
amanhã através da pena de outro escritor. Boas histórias não são fieis, não tem
lealdade.
Todas aquelas pessoas dispersas
que vejo no vagão de trem que me leva ao trabalho... há um pedaço desta
história em cada uma delas. É como um
grande quebra cabeça. Mas claro que elas não sabem disso. Não escrevem, não passam os olhos nem mesmo
sobre um pedaço de jornal. Não fazem ideia do que carregam. Agora eu me sinto um
pouco como elas.
Mas meu maior problema é saber que posso algum dia encontrar esta
historia perdida nas paginas de um livro qualquer, vinculada a alguma duvidosa autoria, talvez em uma versão distorcida e imperfeita. Pois de tão minha ela não é de ninguém. Nunca
será bem escrita.