sexta-feira, 28 de junho de 2019

DESAFIO ONTOLÓGICO


Aceito o risco,
O medo e o infinito.

Bebo um pouco de caos
Antes do banho no abismo.

Não tenho objetivos
Ou intenções.

Apenas me confundo com o afeto
Que me faz mundo.

Aceito o risco...
sei que ao final de tudo,
não estarei vivo.

quinta-feira, 27 de junho de 2019

A MEDIOCRIDADE DO HUMANO



Nunca entendi muito bem esta obsessão, que atravessa todas as culturas humanas, em representar a humanidade como uma espécie quase  apartada do reino animal. Afinal,  somente a valoração equivocada de nossas peculiaridades comportamentais, entre os demais mamíferos, permite  sustentar a ilusão de que somos de algum modo superiores.

Um cérebro mais avantajado, linguagem, polegar opositor e outras bobagens não legitimam nossa vaidade e narcisismo especifista. Se o ser humano é um ser histórico, na medida em que tem consciência de si mesmo e do mundo de forma complexa, isso o torna apenas o mais imperfeito e lamentável dentre todos os animais. Não vejo porque deduzir desta peculiaridade qualquer vantagem ou virtude. Somos seres desgraçados. Admitir isso seria um bom ponto de partida para qualquer reflexão sobre o futuro da humanidade ou do inumano como artifício de uma possível consciência  desantropológica.


NASCIMENTO



Nascer é um processo de vida inteira.
Andamos a toa pelo tempo,
A deriva em busca de infinito.

Buscamos concluir o fato do nascimento
E realizar de vez o sonho da existência.
Mas mal nos entendemos com a vida,
Pouco compreendemos o que dizemos
Ou prestamos atenção no que ouvimos.

No fundo, nada sabemos sobre as coisas,
Mas nos contentamos com nossas ilusões de verdade,
Com as tantas  certezas inventadas  em nome
Do suposto progresso da humanidade.

Nunca nasceremos o suficiente para o mundo.


quarta-feira, 26 de junho de 2019

A ALEGRIA


A alegria tem cheiro de música,
Gosto de dança,
E aparência de sonho.
Ela é quase um delírio.
Pois não se conforma
A qualquer objeto.
A alegria é livre.
Uma natural inimiga
Do pensamento.
Ninguém pode domar uma alegria,
Dominar a euforia.
Ela é uma potência que se expande
Desafinado normas, formas,
E almas.
É proprio da alegria
Transfigurar limites.

terça-feira, 25 de junho de 2019

SOBRE A ORDEM DAS COISAS


A domesticação da realidade por uma consciência apaziguada é o ideal do pensamento como manifestação de um instinto, de uma compulsão por segurança, de equilíbrio  entre o exterior e o interior do mundo vivido e concebido como consciência das coisas. Toda cultura é devedora deste impulso ou necessidade de ordem e certeza.

Tendemos a reduzir tudo a experiência de uma familiaridade, de um domínio.  Fugimos inutilmente do caos através de frágeis configurações culturais, sistemas de crenças e ordenamentos políticos. Mas no final das contas, não passamos de escravos dos nossos artifícios de sobrevivência coletiva, de nossas biotecnologias sociais.  

segunda-feira, 24 de junho de 2019

NÃO FAÇA SENTIDO

Nunca conclua.
Não caia em definições.
Também não aceite lógicas,
Retóricas.
Não creia.
O pensamento é uma ilusão.
Colha sonhos em espaços abertos.
Beba um rio dançando o céu.
Prove o doce sabor de uma manga
Durante um por do sol.

NATUREZA SELVAGEM

A natureza é despida de valor. Não permite julgamentos ou a ilusão de significados. 

Ela é através do simples e caótico ato de fazer a si mesma como multiplicidade.

A natureza é movimento,
a composição dos corpos, a intensidade dos encontros e separações.

Ela é no micro do informe de uma partícula e no  macro acontecer  de um sol.

A natureza não existe enquanto tal. Ela escapa a tudo que é humano.

quarta-feira, 19 de junho de 2019

ENTRE, ATRAVÉS E CONTRA


Entre, através e contra.
Nunca retroceder.
Sempre seguir
Entre, através e contra.

Avançar, cair,
Sem jamais atingir qualquer ponto.

Entre, através e contra.
É assim que se vai
Do nada ao nada
Através de outro lugar.

Entre, através e contra.


VIR A SER



Viver a ser é nossa sina...
Nunca plenamente acontecer.

Todo momento é outro
Onde sempre estamos a nos fazer
Como um eterno esboço
De qualquer outra coisa
Que poderia ser.

quem eu sou
é já o que deixei de ser
e a vida me transcende 
no trágico do seu eterno retorno.


terça-feira, 18 de junho de 2019

PASSEIO DE FADA


Assisti conversas entre arvores e pedras
Enquanto o mar palpitava com o céu.

Ouvi muita coisa sobre o intenso vazio de ser.
Mas como nada havia a fazer.

Esvaziei os ouvidos
E me deitei preguiçoso
Sob o dorso de uma borboleta.

O jardim era todo universo
na presença dos corpos em movimento
dentro da pele do ar.

CONTRA PALAVRA



Não gosto do dizer organizado,
Destinado a instrução,
A informação e a comunicação.

Não suporto o jogo da verdade,
A miséria dos discursos formais,
Bem conduzidos
Por um raciocínio abstrato e vazio.

Abomino o dizer sem vida,
Onde as palavras são apenas palavras
E não há espaço para poesia.

terça-feira, 4 de junho de 2019

O AVESSO DA ONTOLOGIA



O estado atual da minha existência é processual.
Não há Ser ou identidade perpassando minha presença.
Existem apenas as coisas conjuntando um outro dia,
Quando só há o efeito de dia seguinte.

Dentro de mim um infinito está definindo meus limites.
Quanto menor maior....
O corpo habita o indistinguível.

Entre tudo que é manifesto o corpo existe
E  diz algo de mim em todas as partes.

Multiplicidades me reinventam sem rosto no tempo.
Memórias antigas me visitam como delírio.
São como vozes dentro de um rio.
Neste instante eu sou o rio.




QUASE MANIFESTO



Hoje preferimos o silêncio as análises de conjuntura e discursos de momento. Sabemos que não mudaremos o mundo, que o mundo muda ao seu próprio gosto. Mas talvez o silêncio possa transformar consciências. É hora de propor a desmobilização corrosiva de todas as  ações previsíveis de contestação. Não nos conformamos a palavras de ordem e identidades.

Buscamos o aberrante, o inclassificável, como modo de existência. Sabemos que ninguém consegue lidar com o imponderável e com o insólito. Por isso propomos qualquer tipo de loucura, alguma forma de desregramento, que seja antes de tudo um movimento de auto criação e invenção.

Somos o objeto de nossos protestos, a matéria prima da destruição e reconstrução permanente da realidade vivida. Levamos as ultimas consequências a imaginação criadora estabelecendo uma pedagogia do caos em ecos de dadaísmo e niilismo.    

segunda-feira, 3 de junho de 2019

PELE


Não existe a carne.
Existe a pele.
Ela une os órgãos
Que inventam
A ilusão de mim mesmo.

A pele  é orgânica,
Quase sombra
De todas as partes
Que me definem.

O corpo é em tudo
Superfície e ambiente
Fora de mim.

A pele contém,
Sente,
E inventa o corpo.