Há muita confusão quando se fala
hoje em dia na contemporaneidade do anarquismo. Tendo a pensar que o anarquismo
moderno, em suas formulações clássicas, no seio do debate do movimento
socialista internacional do século XIX e no embate com o socialismo real no inicio do século XX, não sustentam sua contemporaneidade enquanto
matriz de um ethos ou ideário libertário capaz de dar conta dos novos dilemas
projetados pela sociedade pós industrial e suas novas tecnologias.
Vejo o anarquismo como uma
critica ao Estado Moderno e a premissa de uma organização social fundada em
hierarquias e práticas coercitivas e consensuais de regulamentação abstrata das
interações humanas. Assim, o anarquismo é também uma critica a toda tradição e
as convenções, uma filosofia cujo fundamento é a afirmação da autonomia do
indivíduo e a imposição de restrições ao
coletivo e sua tendência a tutela moral da vida privada.
Tentando pensar um anarquismo
filosófico que deslegitima as relaçãos de ordem e poder que nos inspiram o
cotidiano, penso o ethos libertário como uma forma de contra cultura que se
embriaga em suas origens no movimento romântico, nas vanguardas europeias, em
especial, no legado dadaísta e surrealista, do que em qualquer ideologia política
ou pratica associativa do chamado mundo do trabalho.
O anarquismo é antes de tudo uma
forma de poesia e evasão que nos conduz a
existência como um ato estético. Sua materialidade enquanto força
inspiradora da ação direta e cotidiana de indivíduos, exige a ousadia de romper
com nossas seguranças e certezas pessoais, com nossa vaidade e
narcisismos. A realidade não é uma matéria
compatível com nosso pueril desejo de qualquer forma idealizada de associação
entre os seres humanos. Trata-se sim de
nos tornamos capaz de viver e lidar com as contradições e misérias humanas.
Quem ousar afirmar a pratica libertária no tempo presente deve sabe-la como um
desafio, como a vontade posta em movimento de desconstrução e reconstrução
constante de si e dos outros. Nada é
mais desagradável do que a liberdade como princípio e essência de nosso estar
no mundo.
De pouco adianta responder o
poder com coerção subjetiva frente ao autoritarismo onipresente. Devemos ser a
liberdade em cada ato cotidiano. Afinal, o que
transforma o mundo é a liberdade e não a necessidade. Superar o reino da
necessidade é não reconhecer limites a irreverência e a criatividade.
Uma cultura realmente libertária
exige que cada individuo seja capaz de levar a si mesmo as ultimas consequências.Ela
se destina a formar indivíduos e não cidadãos que seguem como rebanho qualquer
ideal ou principio abstrato de risível ordem social.
Não acreditamos mais em utopias.
Queremos mudar o aqui e o agora através
da microfisica da redefinição das relações entre as pessoas a partir do reconhecimento
do quanto elas são medíocres e limitadas em uma sociedade que nunca funcionou
para todos.
O anarquismo tem como meta uma
sociedade de plenos indivíduos. Ele é o inimigo da mediocridade coletivista que
nos assombra em todas as direções do acontecer humano. O breve século XX ainda
está por ser superado...