AUTORITARISMO

Onde a imaginação falta,

onde nada se inventa 

contra as diárias  certezas mofadas

da moral e da igreja,

onde a ordem é respeitada

e jamais questionada

por contra-verdades,

a realidade sufoca,

a palavra desorienta,

e a vida se torna doença.

Onde a mudança é impossivel

ou condenada

a portas fechadas,

estamos todos fadados

a qualquer precipício de rasa consciência a céu aberto.

VIRAMUNDO

O mundo tem gosto de sono

e sabor de sonho.

Nele, todo concreto é abstrato,

superfície e intensidade,

na vertigem de afetar e ser afetado

através de imagens que dançam

ao sabor do sopro das palavras

em movimentos musicais

cadenciados pela percursão do sentido e do não sentido

na arte do corpo vira mundo

e virá....

ELOGIO AO FOGO

As luzes da razão estão apagadas.

Jáz morta a beata vela do velho iluminismo.

Viva agora , em eterno retorno,

o roubo de Prometeu,

o fogo de Herácrito

no altar de Dionisio!

Há focos de incêndio

em todas as partes.

"Tudo que é fixo é ilusão."

A VIDA COMO INDETERMINAÇÃO E POTÊNCIA

Não veremos o futuro.

Pertencemos a um passado

que nos esmaga contra o presente.

Mas a vida persiste,

apesar de nós

sem saber o tempo.

A vida, afinal,

não é humana ou divina;

é natureza, imanência e transformação.

Ela não cabe em definições,

ciências ou valorações morais.

A vida é irredutível a palavra vida

que entre nós circula vazia

sem afetar consciências

ou inspirar grandes ações.

A vida não cabe em nossa existência

ou se resume a nossa sobrevivência.

PERIGO DE INCÊNDIO

Queima através de mim um desejo

contra a lei e ordem do absurdo das coisas,

contra todos os absolutos e abusos

em criativa  agonia insolúvel.

.

Sei que a vida é outra coisa

que nos arrancaram  no parto,

que ser no mundo  é um morrer sem morte,

 uma existência de morto vivo

e uma luta inutil contra a sorte.

Sou o finito de apenas um grito.

Mesmo assim arde em mim

a eternidade de um fogo definitivo, agressivo.

 Sei que respiro o futuro de um grande incêndio

contra o infinito das dores do mundo.

Um dia ele será visível.

POR UMA CONTRA HISTÓRIA DA NATUREZA

O Homem não passa de um animal fracassado e condenado pela natureza.

Mas a contra história da Natureza será o fim da História e dos delirios das civilizações que por séculos violaram a Terra.

DEVIR NATUREZA

No acontecer do corpo, o "eu" é tão absurdo como a idéia de deus.

A matéria existe em natureza,

como multipla nanifestação de si mesma

sem fronteiras entre o orgânico e o inorgânico.

A natureza não conhece a vida ou a morte,

ela é indiferente a si mesma em seu movimento, no totnar-se sem fim de todas as coisas em eterno retorno.

ALUCINADO JUÍZO

Hoje em dia tudo extrapola.

O amor,

o ódio,

a convicção,

a dor,

a ambição,

o saber,

o prazer e a alegria,

tudo é excesso e generalização.

Tudo alucina,

da vida à morte,

da festa à catastrofe,

do certo ao errado,

na mais absurda desmedida!

Ninguém mais tem bom senso!

COISA ENTRE COISAS

 

Reduzido aos atos cotidianos

e produção da vida como linguagem e  artifício,

Sou apenas um corpo que funciona,

algo que respira,

que come, que fala,

que morre como persona

na equivalência de todos os rostos e vazio de alma.

Tenho um nome 

que não diz minha vida,

que nada representa ou significa

no além do impessoal de qualquer identidade compartilhada.

Sou, simplesmente,

uma coisa que persiste

no meio das coisas,

um corpo que resiste

e provisoriamente sobrevive

na afirmação do nada.

ILUMINADA IGNORÂNCIA

O corpo transbordande

na intensidade das sensações

realiza o contra mundo do sonho.

A pele é  porta,

os olhos são mãos.

Agarre a realidade exposta

e a devore como um suculento

pedaço de carne crua.

Esqueça a cultura.

Liberte o animal.

Há uma sabedoria crua

na ignorância

que nos alimenta com a potência da selvageria futura.

O REAL

O real não é o atual,

não se confunde com o normal,

  ele é o virtual, 

como potência e qualidade do devir das coisas.

O real é relacional,

verdade inventada no jogo das sensações, 

representações é imaginações. 

O real é um ato sublime de criação, 

de transformação permanente 

de nós mesmos através das coisas.

O real é o dentro e o fora da porta.

POESIA INDIGENTE

Busco palavras que assustam

para ferir o tempo da angustia,

do injusto e do absurdo

que nos matam aos poucos

em silêncio. 

Quero palavras que gritem,

afirmando o limite das representações, 

o ridiculo das autoridades,

a caduquice das estéticas,

a decadência das gramáticas.

Abrigo em meu canto

a precariedade do dizer selvagem

de uma escrita  indigente.

Não frequento  banquetes no palácio da boa consciência e da transcendência. 

Sei a fome das ruas no beco sujo da iminência.