INTROSPECÇÃO E TÉDIO
Uma multidão forma um texto humano de
difícil leitura, uma espécie de romance sombrio na maioria das vezes. Já um
pequeno grupo de pessoas não vai muito além de uma frase solta, de um slogan
perdido entre muitos outros. Era o caso daqueles oito carecas barbudos vestidos
de preto que rotineiramente desfilavam pelo
centro da cidade morta.
Era fácil encontra-los. Frequentavam
religiosamente um bar pouco sofisticados onde jovens de variadas tribos se
encontravam. No que diz respeito
especificamente aos oito carecas barbudos, tudo o que diziam poderia ser
resumido na seguinte frase: Somos melhores do que todo mundo. Definitivamente,
não eram nada interessantes, apenas uns idiotas lambendo o próprio umbigo e
hostilizando qualquer um que lhes atravessasse o caminho. Havia muitos como
eles circulando por ai.
Tudo hoje estava como sempre foi no se
refazer constante da voz do mundo. Era o que me dizia o mosaico composto
por fragmentos de conversas colhidos pelas ruas. As pessoas
apenas viviam suas vidinhas presas em suas caixas de textos vivos. De fato, na
maior parte do tempo, a voz do mundo era
ruidosamente conservadora. Reproduzia
até o infinito alguns lugares comuns no incoerente roteiro biográfico das
multidão urbana.
Acho que apenas minha existência tinha um
roteiro coerente. Pois eu não me fixava em memórias, no lembrar de pessoas,
experiências e lugares que servissem a coerência e necessidade de qualquer
discurso. Eu não precisava me expressar.
Quando dialogava com alguém estava preocupado apenas no bom combate com os
enunciados que aconteciam aos outros de modo assustadoramente autônomo. Como
vivia sem passados nunca tinha algo realmente a dizer. Nada realmente acontecia
além da minha guerra contra as palavras.
Mas hoje não tive grandes temas que me
levassem a situações que merecessem algum tipo de intervenção. Antes mesmo do
cair da noite me refugiei no quarto que me servia de referência. Eu nunca
lembrava direito dele. As vezes demorava para encontrar o caminho. Ia para casa
tateando o abstrato agir mecânico inspirado por alguma forma de instinto.
As paredes nuas, o colchão e a janela...
Aquilo era tudo que eu tinha quando fugia das ruas. A porta sempre ficava
aberta. Mas ninguém nunca invadiu aquele meu pequeno território de existir
minimalista. Assim que cheguei estendi
meu corpo sobre o colchão velho e
fedorento. Me sentia particularmente cansado.
As vezes vejo uma mulher nua flutuando no
ar dentro da minha cabeça. Não sei dizer
com que frequência. Só sei que sua visão abstrata me relaxa e induz ao repouso. Ela não vive em
nenhuma palavra se quer. Na verdade se quer existe. Não passa de um confortante
delírio. Quem sabe, entretanto, os delírios não sejam a verdadeira realidade?
Talvez seja por isso que as palavras dominem tudo. .. Talvez por isso eu seja
incapaz de derrota-las: ELAS SUSTENTAM NOSSA ILUSÃO DE REALIDADE....
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LAPSO TEMPORAL E RETORNO ALEATÓRIO AO MESMO MOMENTO EM UMA VERSÃO UM POUCO
DIFERENTE DE SI
MESMO..........................................................................................................
Estou em meu quarto agora tentando
dormir....
Estar dentro destas quatro paredes vazias e
encardidas me da a confortável sensação de que de algum modo sai do mundo.
Tenho a impressão de que não existe nada lá fora, pois nenhuma palavra me
atinge. Infelizmente a janela atrapalha tudo e deixa alguns sons e vozes ruas invadirem o recinto. ..
Acho que eu não sirvo para nada. E isso me
deixa muito feliz. As palavras não me dizem o que fazer ou o que pensar. Pelo
contrário, elas sabem que luto contra elas, que evito situações, que salvo
pessoas... É muito bom ser um zero a esquerda...
Mas também tenho problemas com números e as
artimanhas diabólicas da matemática. Nada comparado com a ameaça que vejo nas
palavras. É diferente. As palavras
manipulam a todos, os números limitam-se ao domínio de grupos
específicos como os físicos, engenheiros e outros vivem de personas exóticas.
As vezes gosto de ficar aqui simplesmente
olhando para o teto sem pensar em absolutamente nada. Afinal, um dos grandes
problemas do mundo é o fato de que a
maioria das pessoas acham que pensam por conta própria e que suas ideias
realmente valem a pena.... Que se danem.....
É bom sentir o meu corpo, minha respiração
e pulso, o delicioso gosto de todas as inercias sob este colchão velho, mas
ainda macio.
Hoje absolutamente nada realmente
aconteceu.....
Também não esta acontecendo nada agora....
Percebe como é interessante quando não
acontece nada e não há nada a ser feito?
Deveria ser assim o tempo todo... Vivemos
coisas importantes enquanto nada acontece.