quinta-feira, 31 de março de 2022

DIA SONHADO

Ontem sonhei o dia de hoje
em sua verdade mais intima.
Desafiei a realidade,
a sanidade,
e o bom senso dos mediocres.

Meu sonho foi mais intenso,
verdadeiro, e mais necessário 
do que toda experiência 
de nosso mediocre dia a dia.

Nele meu dia fugia dos fatos
e realizava a urgência 
de alguns futuros possíveis
desfazendo alguns impasses.

quarta-feira, 30 de março de 2022

ASSIGNIFICÂNCIA

O excesso de vozes,
de palavras, 
de significados,
valores e imagens,
quase sufoca meus pensamentos.

O que ainda pode ser dito,
pensado, ou percebido,
onde tudo parece pré concebido,
artificial e ilusório?

O mundo não faz sentido
e se perde no excesso,
no transbordamento do possível. 

Preenchido de nada
sigo fora do eu
que me escreve no mundo.
Não há mais sujeito
ou objeto.
Apenas o informe de afetos
que me reduzem a um corpo
inerte e imprevisível 
onde a vida ainda persiste.

terça-feira, 29 de março de 2022

O ASSOMBRO DO MUNDO

É preciso despir-se do mundo
para saber o mundo.
Pois o mundo não é aquilo que nos ensinaram
a ver, sentir, e dizer na prisão da ordem e do sentido.
O mundo é qualquer outra coisa
que assusta, que nos devora e consome, que nos rasga, dia após  dia.
O mundo é algo que pulsa,
que foge, que nos supera,
que não tem razão, que não sossega.
O mundo é o que nos coloca em constante perigo.
O mundo é assombro.
O mundo é o que nos faz transpirar.

A DECADÊNCIA DOS FATOS

Sabemos que os fatos não existem fora da brutalidade muda do instante.
Mas eles só acontecem como imagem, palavra,
que ultrapassa o efêmero e determinado do seu instante. 
Pois os fatos são o resultado de seus efeitos e de suas interpretações. Fatos que morrem e renascem no espetacular registro midiático de um mundo convertido em imagem ação, onde tudo se repete, onde o tempo é relativo. Mundo onde não cabe o efêmero do instante, onde tudo se perpetua e se perde em imaginação, onde nada existe além da ilusão da verdade mole que boia em uma poça de século.
Ninguém mais percebe a singularidade do instante, a brutalidade do fato cego e despido de sentido. Os fatos não existem. Quase tudo se tornou possível no incerto do acontecimento.

PALAVRAS SUICIDADAS

Nenhuma palavra abraça o meu tédio.
É impossível  dizer o momento,
fugir a angustia do silêncio, 
comunicar o mais que concreto 
das minhas inércias de desertos.

O branco da folha
abriga o suicidio de algum poema
no desespero de palavras mudas
que se recusaram a abraçar o meu tédio. 

sábado, 26 de março de 2022

REVOLUÇÃO NIILISTA

Tento adiar as horas,
o tempo e o pensamento,
até apagar meus atos,
minha voz,
e saber o outro do corpo 
dentro do silêncio da multidão. 

Na contramão da ação
vislumbro a revolução 
do nada,
a deserção como estratégia 
de ruptura absoluta com a caduquice do mundo atual.

A melancolia é meu freio de emergência, 
meu protesto, 
minha defesa da vida
que não foi vivida,
meu grito contra a morte
que cotidianamente
nos é imposta
pelos burocratas da alegria,
do consumo,
da produtividade e da normalidade moral.

Tento fugir do tempo pequeno
do sentido da vida,
da verdade,
da história, 
até acordar em mim o intempestivo,
o que escapa a ordem,
que desinventa a alma,
e devem primitivo e esquivo.


sexta-feira, 25 de março de 2022

TEMPO ABSOLUTO

Do lado de fora do mundo
a imaginação inventa
um tempo absoluto.
Tudo acontece simultaneamente.
Não há passado, presente, ou futuro.
Apenas um agora que se dilata,
que se transforma,
e torna todos os fatos inúteis.
É um tempo do corpo, 
da terra, e das plantas.
Um tempo onde não cabe História,
onde a duração 
revela todas as consequências 
da finitude. 

quarta-feira, 23 de março de 2022

A VIRTUDE DO DESESPERO

É preciso que morra a esperança, 
que se dissipe toda expectativa, 
para que um vento de ansiedade
nos conduza atônicos
a incerteza de novidades.

É preciso que tudo saıa do controle,
que nos domine o desconforto
de qualquer desespero, 
para que surja algo novo e imprevisível,
que nos liberte do inaceitável conformismo cotidiano.

É preciso,  o quanto antes,
alcançar o limite do possível. 



terça-feira, 22 de março de 2022

VONTADE DE POTÊNCIA


Não há em mim distância 
entre o riso e a agonia,
o desejo e o abismo,
pois sou movido 
pela impessoalidade
de uma vontade cega e intensa
que me devora e alimenta.

Não há para mim diferença 
entre o pensar e o gritar 
no incerto acontecimento 
da minha existência. 



quinta-feira, 17 de março de 2022

O CORPO E AS COISAS



Sei em meu corpo todo universo.
Tudo em mim é indeterminação,
confusão entre o eu e o mundo
no devir da paixão que me confunde com todas as coisas
que passam através do tempo.

Há músicas nas minhas palavras,
danças nos meus pensamentos,
que através  da imaginação 
fazem da percepção 
um mágico movimento
de afecções. 








NOVÍSSIMO QUIXOTE

Tenho sido um mudo espectador do mundo,
alguém que inventa sentido
para o caos vivido,
que busca qualquer propósito
além da crua necessidade cega
para justificar os atos humanos.

Tenho sido um patético quixote,
um utopistas,
que busca abrigo na magia dos enunciados,
na caduquice dos livros,
que sonham um mundo que não existe.

Tenho lutado com todas as forças, 
como o mais épico dos loucos,
contra a banalidade absurda do dia a dia.


sábado, 12 de março de 2022

REBELDIA ESCATOLÓGICA



Não serei um filho do tempo e do mundo,
da norma e da razão
que sequestram afetos e corpos.

Escutarei meu daimon pessoal
a sombra dos abismos
saboreando delírios
e nostalgias de infância.

Escrevei minha morte
nas ondas de um céu em chamas
livre do peso de qualquer futuro.

O mundo não vale a vida.


sexta-feira, 11 de março de 2022

ANTI HUMANISMO II

Sou definitivamente culpado pelo mais radical dos crimes possíveis contra toda forma de metafísica: duvido com todas as forças da condição humana, de sua ficção assombrosa.
Para mim não há substância ou atributo que defina o homem, este sonho inconsciente da natureza, este pesadelo da matéria, que em algum ponto ainda distante da eternidade, já experimentou sua própria morte.

A QUEDA DO TEMPO

O tempo caiu do relógio
no desmedido momento
de uma época inominável,
onde tudo é técnica, 
artificio e ilusão.

Todos os dias
o tempo morre na tela do telemóvel
simulando efêmeras eternidades banais.

Ninguém  mais tem tempo.
Não há mais tempo
para ter tempo.

O tempo acabou,
e a vida não foi
por falta de tempo.

O relógio silenciou as horas.
Já é quase fim do mundo
no calendário do ano passado.













segunda-feira, 7 de março de 2022

ANTI HUMANISMO

Tudo que é humano
é insano.
Apenas o absurdo nos revela a história. 

Jamais compreenderemos
o que fizemos do mundo,
o que nos tornamos
contra nós mesmos
no desastroso espetáculo das civilizações.

Dentro de mim
há um animal que chora.
 

CONTRA A HUMANIDADE

Não  tenho qualquer prazer em participar impotente da vida da espécie. 
A civilização é uma grande catastrofe natural,
uma ferida aberta na superfície da terra.
Não há valoração possível dos eventos humanos além da nadificação niilista
e é com desprezo  pelos séculos de história que miro o presente dos homens.

INSANIDADE

Talvez, seja a insanidade uma manifestação da lucidêz absoluta insuportável a qualquer consciência. 
Pois no fundo de tudo persiste atemporal o caos eterno que precede o mundo.

quinta-feira, 3 de março de 2022

A MISÉRIA DA REALIDADE

A realidade é uma mentira
muito bem contada,
e o mundo
não é alegre ou triste.
É apenas o mundo,
indiferente e mudo,
escapando sempre ao chão
que nos conforta os pés.

Tudo é um jogo de forças
em conflito eterno,
além do justo e do injusto.
Tudo é perigoso.

Ninguém está certo ou errado.
Todos  carregam as chagas
de seus equívocos
feridos por alguma ilusão de verdade.

A realidade é o que nos enlouquece,
o que nos mata aos poucos,
e esconde a vida
que nunca saberemos possível, 
além dos hábitos e palavras
que nos aprisionam ao cotidiano.