“ O mundo externo é um sintoma secundário
inoportuno de um estado de indisposição.”
“A vida é um esforço que seria digno de uma
causa melhor.”
KARL KRAUS
Fahacia era uma mulher sem
grandes esperanças, medos ou expectativas. Seguia a vida cumprindo rotinas de
casa e vivendo da renda proveniente do aluguel de três apartamentos que
recebera de herança dos pais.
Vivia sozinha, não tinha filhos e
nunca quis um animal de estimação. Muito menos
cultivava amigos. Acreditava que o mundo era demasiadamenre caótico e a vida demasiadamente incerta para perder
tempo com laços afetivos. As afeições
não valem uma tarde vazia na beira de uma praia deserta com uma garrafa de
uísque. Era o que costumava dizer.
A simples sobrevivência era tudo
o que lhe importava. Diariamente ocupava-se
arrumando e e re arrumando a casa, lendo clássicos da literatura e
ouvindo rock dos anos 50 e 60 do ultimo século. Detestava as novidades da
cultura digital. Nãio usava computador e se quer tinha um celular. O velho sobrado onde morava parecia perdido no
tempo. Os móveis, os quadros e toda a decoração era inspirada nos anos 60.
Definitivamente Fahacia havia
parado no tempo... ou inventado seu próprio tempo pessoal, vivendo um pouco as
margens do mundo. Era feliz assim. Mas guardava
dentro de si uma ansiedade irracional. Era consumida por uma fantasia
que desafiava toda realidade: Ela queria
desesperadamente ir para outro planeta. Acreditava que isso era possível. Que
um dia seres extraterrestres iriam até ela e a levariam para um mundo
inteiramente outro onde as questões “terrestres”, todo sentido de realidade,
valores, filosofias, ciências e religiões seriam desmentidos retumbantemente.
O mundo do outro mundo seria para
ela o avesso de tudo e, ao mesmo tempo, o reverso do real, a panacéia do
improvável do humano além do humano. Descobri-lo seria o fim da história da criação e
da teoria da evolução. Tudo até hoje concebido , pensado ou dito ficaria
obsoleto neste mundo do outro mundo.
Em uma quente noite de verão
Fahacia preparava-se para dormir. Eram quase 11 horas da noite quando a
campainha tocou. Assustou=se com aquele suave som de sinos. Afinal, nunca
esperava visitas. Ninnguem nunca a procurava. Por isso abriu a porta com
cautela.Não sabia o que esperar. Mas certamente aquilo não era de se esperar.
Viu-se diante de um simpático anão de barba branca e todo vestido de verde.
Não precisaram trocar nenhuma
palavra. Era como se comunicassem por telepatia. Ele entrou tirou as roupas e
Fahaia as suas. Então fizeram sexo ali mesmo
sobre o tapete da sala sem a
menor serimonia. A barba do anão arranhavam sua pele, provocavam uma sensação
estranha quando roçava em seus mamilos. Mas ela não se importava quando ele a
metia entre as suas pernas lhe oferecendo um baile de língua.Durante a copula
tinha a impressão de que o anão era maior do que era, uma espécie de gigante
que lhe envolvia em uma bruma rubra de puro êxtase.
Fahacia despertou no dia seguinte
inteiramente nua sobre o tapete da sala. O anão havia desaparecido. Por um
momento achou que tudo não tinha passado de um sonho. Mas sentia intimamente o quanto tudo aquilo havia
sido real. O fato de ser absurdo não queria dizer de forma alguma que não podia ter sido real. Por isso não ficou surpresa quando o anão tornou a visitá-la durante
todas as noites daquela semana. Sempre no mesmo horário. O sexo entre os dois
tornava-se mais intenso a cada encontro. Mas nunca trocavam uma palavra.
Ele não lhe dizia quem era, de onde vinha, como a descobriu. O sexo apenas acontecia
entre os dois.Um dia a casa amanheceu vazia. Fahacia desaparecera. Nunca mais
ouviu-se falar dela.
Quando uma pessoa
simplesmente desaparece e não tem
ninguém para sentir sua falta. Sua vida simplesmente continua em sua ausência. As contas continuam chegando
pelo correio, os vizinhos achando que na
privacidade da casa trancada a pessoa segue em suas rotinas.
Que curiosa ironia. Em seus devaneios Fahacia sempre achara que a
existência era algo inteiramente relativo, que existimos mais através das
outras pessoas do que em nós mesmos.Por isso era uma solitária convicta e uma sonhadora de outras existências. Agora ela
inexistia e os outros que pouco sabiam dela achavam que perpetuava-se existindo
em suas rotinas.
Um ano depois Fahacia reapareceu
do nada. Mas não foi em sua casa. Foi em um cantinho aconchegante de rua
freqüentado por borboletas de todas as cores.Agora ali era seu lugar. Su nova
casa, se assim se pode dizer. Não se lembrava de nada que havia acontecido
durante o hiato do seu sumiço. Apenas se sentia outra pessoa. Na verdade não se
sentia se quer uma pessoa. Também não se sentia um individuo.Ter um nome era
tão pouco...
Passava o tempo lendo o mundo com
os olhos ali sentada em seu canto de rua. Vendo o vai e vem das pessoas. Gostava de colher fragmentos de conversas dos
passantes. Memorizava-os e com prrodígia habilidade misturava-os de modo a
inventar a partir deles um dialogo maior
e mais profundo que dizia a soma das
circunstâncias vividas de todas aquelas pessoas. Em suas colagens de diálogos
ela vislumbrava a fala de uma
consciência coletiva impessoal que acontecia através da vida de todas as
pessoas. Isso nada tinha de metafísico. Fahacia acreditava acessar desta
maneira a própria vida da espécie.
Apesar de viver daquela maneira
ela não amargava dificuldades. Sempre
alguém que passava lhe atirava moedas ou lhe deixava algo para comer.
Aos poucos foi se confundindo com a própria rua, tornando-se sua personagem,
parte da paisagem.
Numa noite qualquer o misterioso
anão lhe surgiu de novo por volta das 11 horas da noite. Levou-a para um canto
escuro e fez sexo com ela. Assim o fez por varias noites seguidas e, mais uma
vez, Fahacia desapareceu... Desta vez sua falta foi dada pelos costumeiros
passantes daquela rua. Mas não demorou muito para que fosse como se ela nunca
houvesse existido.
Um ano depois, como da outra vez,
ela reapareceu misteriosamente em outra cidade Desta vez tudo era diferente.
Ela não era ela. Tinha outro rosto. Era uma menina de dez anos. Uma menina
perdida andando a ermo pelas ruas. Não sabia quem eram seus pais, onde morava
ou o que estava fazendo ali. Apenas andava sem qualquer destino até passar por
uma casa simples que tinha o portão aberto. Entrou sem ter motivo. Entrou
apenas por entrar. Logo estava dentro da casa. As paredes eram cobertas de
fotografias. Rostos de tantos
desconhecidos de todas as idades que
custava a crer que fossem fotos de uma única família. Não, definitivamente eram
fotos da espécie em situações típicas de sociedade.
O fato é que agora ela era uma
menina e tinha vontade de brincar. Caiu para dentro de si mesma em um
pensamento. Não precisava de outras crianças para brincar, não precisava de
mundo para existir.
Foi ai que Fahacia percebeu que
estava dentro da cabeça de uma terceira pessoa, de uma paciente em coma em um
hospital próximo. Ela não era ela. Era a lembrança daquela pessoa sem
consciência. Não passava de coisa sem substância , de uma imagem de pensamento que ninguém
sabia, nem mesmo o indivíduo que o teve.
O que era aquilo?
O que era a vida?
O que era tudo?...
Respostas, entretanto, eram
desnecessárias as suas indagações pelo simples fato de não fazerem a menor
diferença. Nada fazia diferença....
De repente estava em casa de
novo, em seu próprio corpo e com o pau gigantesco do anão em sua vagina em
agitada flexão de existência.Tinha orgasmos múltiplos. Seu corpo parecia em
fogo.
No momento seguinte, ela e o anão
desapareceram calando este breve conto que nunca foi escrito pelo seu autor que
sabe que o mundo não vale esse esforço.