AS PALAVRAS SILÊNCIOSAS

Há palavras que não  buscam comunicar, informar,

ou organizar pensamentos,

mas apenas ser  letra entre outras letras.

Normalmente elas dizem silêncios

que contrariam o texto, o autor,

e o leitor.

Quase sempre fogem dos olhos,

se escondem no corpo da narrativa,

 pois preferiam não serem escritas.

São palavras nômades

a deriva dentro da narrativa,

atrapalhando a escrita,

desconstruíndo a leitura.

 

CONTRA A CIVILIZAÇÃO

 

Desejo a vertigem:

o doce e banal colápso

da civilização ocidental;

quero o futuro do céu, do mar,

e das águas,

além do deserto das grandes cidades,

das máquinas & disciplinas 

que roubam do corpo

o devir da vida.

Desejo saber de novo o oceano

na beleza de um grão de areia

e todos os segredos escondidos

sob a pele do meu chão,

sentir meu corpo desfeito

no mover-se da natureza,

ser livre do peso da minha própria existência

através das batidas incertas do meu coração.

APELO AOS DESAJUSTADOS

O futuro da humanidade depende cada vez mais dos inclassificáveis, dos imprestáveis, loucos e fracassados,

dos amantes da curva contra a linha reta.

Mas é bom que eles se apressem em rasgar o céu e a cidade,

ou os virtuosos, inteligentes e competentes senhores do pragmatismo, das matemáticas e verdades,   acabarão de vez com o mundo em nome da razão e dos bons costumes.

O ABSURDO DE UM DIA NORMAL

Na contramão do dia

eu imaginava  cenários idílicos

contra o deserto do cotidiano.

A fantasia da minha evasão

continha mais vida

do que tudo que me era imposto

como rotina.

A realidade era a premissa

de uma escravidão sem correntes

onde poucos tinham a coragem

de gritar liberdade.

As vezes respirar era quase impossivel

sem um vento de imaginação. 

O MUNDO ATUAL

O MUNDO ATUAL

O mundo atual já nasceu carcumido,

midiático e banal,

povoado de mortos vivos. 

É um mundo irreal

onde o caos impõe a ordem

e o pragmatismo cínico

celebra a ditadura do possível. 

É um mundo sem alma

que envenena a natureza

com seus artifícios de sobrevivência. 

Infelizmente, 

como a vida é curta,

estamos todos condenados

ao pesadelo do mundo atual,

ao testemunho mudo da morte de todo futuro.

ABSURDO ABSOLUTO

Não  espere respostas ou explicações, 

não queira que faça sentido,

que exista justiça ou equilíbrio. 

O mundo é um caos organizado

por forças em perpétuo conflito,

uma espécie de Hospício 

onde os loucos definem o equilibrio.

Rasgue em sua boca um sorriso de luto,

ou, se prefirir, um grito,

por todos os absurdos que inventam e sustentam diariamente nossa insana e sobre humana realidade. 

O GRANDE INCÊNDIO

Há um grande incêndio dançando no quintal

enquanto a água ferve para o chá sobre o fogão.

Há um fogo crescendo dentro de nós,

um fogo limpo, intenso, livre e primitivo.

A vida brilha neste fogo que devora o mundo todo através de nós.

RENASCIMENTO

É preciso rasgar-se,

despedaçar a si mesmo,

para arrancar das próprias entranhas

um outro.

Talvez monstruoso,

bizarro, indecente,

vergonhoso.

Ele que, por sua vez,

há também de rasgar-se,

despedaçar a si mesmo,

para revelar um duplo,

um inclassificável duplo.

É preciso sempre renascer

no ventre do abismo,

transcender os limites do inumano

através de um grito ainda inconpreensivelmete humano.

ERRÂNCIA

Tenho fugido do pesadelo da razão moderna.

Recuso o progresso,

os saberes e ofícios,

de um mundo de artifícios,

de frágilidades, certezas,

trabalho, exploração e renda.

Não quero ser escravo das coisas,

dos outros,

ou de qualquer persona

que me intimide no espelho.

Odeio cidades, 

amo florestas,

nunca sucumbi a servidão voluntária 

que sob a terra inventa o inferno.

Sou livre

no tudo e nada

de ser corpo perdido

por muitas estradas.

Estou sempre em fuga

pelos labirintos de mim mesmo.

O LOUCO

Existo provisoriamente,

a deriva no mundo,

devidido entre o cansaço e o espanto.

Vivo a margem de certezas,

verdades, 

a revelia de todos os debates contemporâneos.

Só me importo com aquilo que escapa,

que causa vertigens,

e ultrapassa horizontes.

Sigo intempestivo

preso ao infinito nada

do meu mais intimo delírio.

Contra todas as convenções 

que nos aprisionam a realidade

faço do riso minha única divisa.

A MISÉRIA DA VERDADE

Desprezo aqueles

que buscam a verdade,

que falam em nome da razão 

e dos fatos.

Pois não passam de escravos

do absoluto e da crença,

vítimas de qualquer  delírio universalista

que lhes turva a consciência. 

A verdade é inimiga do devir,

do corpo e da vida.

Tenta reduzir a realidade

a um golpe de vista,

a metafísica de qualquer ordem idealista.

A verdade é a bandeira dos ditadores,

a mãe de todos os horrores.

A mais tenaz adversária da liberdade,

desde a República de Platão. 

A verdade é aquilo que nos nega

LIBERDADE SELVAGEM

A liberdade é como um tiro no peito.

É como um grito no escuro,

um absurdo ou um susto,

que lembra a memória ausente do momento do parto.

A liberdade e a natureza nua

além da humanidade do mundo.

É um modo profundo de ser selvagem.

ESQUEÇA O CÉU!

Passei a semana inteira sem olhar para o céu.

Afinal, o que importa o céu

enquando meus pés

ferem a terra

e o mundo machuca o corpo

pelas ruas da cidade em desastre?

O que importa o céu

diante do cruel

de nossa absurda realidade?