Agora eu estava nessa situação
sem entender absolutamente nada do que acontecia. A vida que havia abandonado
já não era mais exatamente aquela vida horrível que eu pensava. Muita coisa a minha volta me escapava. O pior de tudo era o que as
pessoas pensavam sobre mim... definitivamente, não dá para
confiar em outro ser humano. O fato é que eu tinha uma avaliação muito rasa
sobre tudo o que me acontecia.
Quanto ao pacto diabólico, ele
havia me dado outra vida para fugir da primeira e agora me induzia a duvidar
das duas. Não entendia realmente porra nenhuma do que estava acontecendo. Nem
mesmo queria entender alguma coisa. Não valia a pena. Tudo que importava era
continuar respirando.
Afinal quem eu era? Tudo havia
começado faz muitos anos e a verdade é que eu já havia mudado de vida
incontáveis vezes. Eu não era ninguém e, justo por isso, havia sido muitos.
Nenhuma versão de mim, entretanto, conseguiu dar certo, adaptar-se plenamente a
própria mentira.
Os pactos diabolicos eram uma estratégia
antiga, como revelava o dossiê contido na pasta. Minha existência era um jogo
entre lucidez e loucura onde eu buscava a fantasia ideal. Difícil dizer
qualquer coisa sobre mim que não redundasse em incerta. Não tinha passado, presente ou
futuro. Tudo era inventado e reinventado constantemente. Eu era meu próprio irmão
gêmeo... mas quantos mais eu seria?
Havia chegado o momento de
superar tudo isso, tornar a ilusão transparente. Talvez por isso tenham revelado
toda a trama. A fantasia devia não estar funcionando. Instintivamente eu sabia que precisava fugir
de tudo. Que aquilo era um sinal de que as coisas não estavam indo bem. Sabe-se
lá... poderiam estar pensando em me
eliminar como caso perdido.
Pensando assim, peguei um carro e
decidi dirigir até o fim do mundo. Não tinha um plano. Mas talvez o fim do
mundo fosse aquela pequena cidade em que nasci. Era lá que tudo deveria
terminar. Lá onde começou...
Depois de algumas poucas horas na
estrada cheguei aquele pequeno centro urbano onde cresci e deveria me parecer
familiar. Mas eu não conseguia reconhecer qualquer vestígio de passado em qualquer
parte. Nem mesmo sabia o que encontrar. Família, amigos? Não tinha lembranças precisas do meu passado. Mas sabia
que era naquela pacata e insignificante cidade onde havia nascido. Todos
precisam de uma origem. E era isso que eu estava buscando: meu ponto de
partida.
De repente o telefone tocou. A
voz masculina e cadavérica do outro lado da linha se identificava como
representante do pacto diabólico. Me
repreendia por ter pego a estrada e me
ordenava a voltar. Respondi com um palavrão e desliguei o telefone. Mas era obvio o sentido daquilo. Talvez eu estivesse equivocado quanto a minha
origem. Pode ser que nada que eu soubesse sobre mim fosse confiável.
Quando me dei conta estava
estacionado em frente ao cemitério da cidade. Desci do carro e , como se
soubesse o que estava fazendo, caminhei
até uma determinada sepultura. O nome esculpido
na lapide não era o meu, mas a foto que o decorava era minha. Então me dei
conta daquilo que sabia o tempo todo, mesmo sem ter consciência disso: eu
estava morto. Nada daquilo estava acontecendo. Eu não existia. Não havia
qualquer realidade ou solução.