PALAVRA E LOUCURA

Não consigo guardar no silêncio 

o espanto que me assombra

no grito das minhas palavras.

Não consigo calar o caos

que me inspira

a tentar dizer o ilegível

que escreve tudo que vivo.

O mundo é meu pesadelo 

ou minha existência 

é um simples delírio?

A RAZÃO COMO DOENÇA

A razão é uma doença do pensamento,

uma contra natureza,

cujos perversos sintômas são

a linguagem, o valor,

a ordem, e a lei.

O que é o homem

além de um animal

gravemente enfermo,

um criador de catástrofes

a pertubar o nada do universo

com suas vaidades e verdades absurdas?

POEMA HERMÉTICO

O dia amanhece entre as ruínas da manhã profunda.

Vênus não brilha no céu.

Num céu que jamais será azul.

Mas nossas crianças matarão o futuro,

antes do acordar de Saturno.

Seguiremos desencantados do mundo 

a espera da próxima catástrofe,

enquanto mercúrio desvenda enígmas

entre os gritos do sol

e o riso triste da lua.

FILOSOFIA DOS NAVEGANTES

A incerteza do mar é melhor do que qualquer terra firme,

E é mais útil ter um barco do que uma casa.

Basta saber no céu um caminho

para abrir mão da prisão de um chão.

A melhor parte de mim

está sempre ausênte

e a deriva,

inconsciênte e perdida,

nas profundezas de abstratos oceanos.

NOVA COSMOGONIA

Ontem a noite

acordei para o fim do homem

e para o reinício do mundo.

Toda natureza parecia mais viva,

intensa, 

celebrando a decadência da civilização e do antrophos.

O verde povoava cidades desertas.

E o tempo não importava mais

diante do rejuvenescimento de Gaia.

No eterno bailado da vida e da morte,

no eterno retorno da noite e do dia,

todas as forças cósmicas provavam

um novo e violento equilíbrio.

Desfeita a ilusão do bem e do mal,

a natureza sem lei

realizava as núpcias do sol e da lua

e todo o universo se reduziu ao infinito

de um grão de areia

que engolia o oceano.

SOBRE NOSSO COTIDIANO FIM DO MUNDO

Em tempos de fim do mundo,

 toda esperança será castigada, 

todo otimismo conduzirá

a angustia infinita

por um novo dia impossível,

que supere o hoje que sempre termina,

noite após noite, 

sob a promessa

de qualquer inevitável catástrofe,

provisoriamente adiada.

A MORTE DO GIRASSOL

Neste exato instante

um girassol solitario

morre de sol

na areia quente

de algum deserto.

Um minuto de silêncio

pela noite do girasol.

A MISÉRIA DO CRISTIANISMO

Há uma estranha miséria autoritária

naqueles que se embriagam de verdade

e se afogam na fé.

Nos que engroçam a procissão dos ressentidos,

dos que recusam o mundo,

o corpo e a vida,

pela ilusão da alma e do céu.

O cristianismo,

Este platonismo dos pobres,

é uma monarquia cósmica,

uma tirania espiritual,

onde governa a morte,

o punitivismo e a culpa,

no livre arbítrio da escravidão universal.

Daí minha franca antipatia

por tudo que é dito cristão.

É SEMPRE FIM DO MUNDO

Não há mais mundo para todo mundo,

E nunca soubemos o mundo 

em nossas discursos,

afetos, e sonhos de um novo mundo.

Desmundamos a vida e matamos o mundo,

Sem nunca vivermos num mesmo mundo.

Nosso futuro mora no fim do mundo,

no lado de fora de todos os mundos.

AFORISMO SOBRE O NOSSO MUNDO SEMPRE DESATUAL

O mundo é uma espécie de hospício onde os mais insanos são justamente os defensores da ordem e da saúde mental, os partidários da sábia razão e do bom funcionamento das instituições, os que nunca percebem o quanto o mundo vai mal.

A desatualidade do tempo presente em relação a vida denuncia nossa mansa loucura cotidiana, nossa absurda tolerância com o insuportável.

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O REVOLTADO

Existo entre a brutalidade do mundo e os limites da consciência.

Sigo movido por afecções,

significações,

angustias e dúvidas,

sigo desassujeitado,

desassossegado,

entre indignações.

Um revoltado é sempre 

alguém que sustenta um não

contra a insanidade da ordem

e da razão.

ESPÍRITO LIVRE

É proprio do espirito livre,

a dúvida, a inquietação,

a revolta,

a recusa de qualquer verdade

ou versão definitiva do mundo.

Ser livre é um estado de ausência e inacabamento,

um pensar o sentir,

um dançar a inércia,

um reinventar o corpo,

onde a palavra falha

na transfiguração da linguagem.