quinta-feira, 28 de julho de 2016

RADICALISMO PÓS RACIONAL

Sem premissas e conclusões invento meu pensamento
E gosto de demolir tudo que penso
Depois de  queimar os restos de verdade
Que ainda poluem tantos livros.

Não sou destes que se perdem em pendengas
E peripécias ilustradas,
Nas  falaciosas cruzadas em defesa da senhora Verdade,
Esta anciã esclerosada que ainda desperta suspiros
Entre  tolos e toscos .

Meu pensamento é embriagado pelo mais rasgado absurdismo.
Sim. Eu disse absurdismo!
Não esperem de mim outra coisa.
Só tenho a oferecer um gole de caos para o deleite dos insensatos.


UMA CRUZADA CONTRA AS PALAVRAS ( PARTE II)


1-     
A VOZ DO MUNDO E OS SILENCIOS DO PENSAMENTO

Cá estava eu novamente fechado em minha rotina. Escutava novamente a voz do mundo nas ruas e tentava evitar o pior. Alguém precisava combater as palavras e, por alguma razão, esta missão era minha.
Não tenho memória... Por isso não me surpreende esta estranha sensação de que algo importante aconteceu nos últimos dias, embora eu não seja capaz de lembrar qualquer detalhe do ocorrido.
Era conveniente não ter memória, pois assim eu era muito pragmático e restrito com as palavras e elas não podiam me dominar  como fazem com a maioria das pessoas.
Agora a pouco, em minhas andanças matinais pela cidade, impedi um cara de bater na mulher durante uma briga de casal. Eu havia seguido alguns fragmentos de conversas que levaram até ele. Todos falando de brigas e agressões.  Era assim que eu salvava pessoas.
Isso pode parecer fácil. Mas na maior parte das vezes não é. Eu não posso persuadir as pessoas verbalmente. Não enfrento as palavras diretamente. Evito coercivamente seus atos tal como posso e sem esperar ser compreendido. Qualquer explicação é desnecessária.
No caso especifico deste casal, tudo foi bastante complicado. Me precipitei sobre o cara antes que ele acertasse um soco na  mulher que gritava  como uma louca. Mas, ao contrario de demonstrar gratidão, ela simplesmente avançou para cima de mim tentando defender o companheiro. Tive que enfrentar os dois. Mesmo assim valeu a pena. Depois da minha súbita e inesperada intervenção,  a conversa entre eles mudou. Passaram a falar de outras coisas,   esqueceram as ameaças de agressão e ofensas verbais. Eu virei o assunto... Sei que algo muito ruim teria acontecido caso eu  não tivesse intervido.
Agora uma nova sequencia de fragmentos de conversa me levava para outro bairro da cidade. Logo identifiquei o objeto da minha intervenção. Era um cara mudo... a temática desta vez não me parecia muito clara pois dizia respeito ao silêncio. Eu fiquei pelo menos meia hora seguindo o rapaz pelas ruas. Até que de repente ele parou e caminhou na minha direção. Ficou me encarando sem dizer nada. Mesmo assim eu sabia os pensamentos dele dentro da minha cabeça.
“-Você... Eu sei o que você faz. Você tira a atenção das pessoas. As impede de pensar e viver. Você quer corrigi-las segundo o que pensa que deve ser. Mas quem é você para saber isso?”
No momento seguinte era como se ele tivesse invadido minha cabeça e eu a dele e ambos tivéssemos sido arremessados para algum outro lugar. Era uma espécie de limbo. Um lugar frio e escuro onde nada existia, nem mesmo um chão.
Foi uma boa briga. Eu não conseguia entender nada. Levei algum tempo para perceber que aquele rapaz cego não era uma pessoa. Ele era um encadeamento de palavras. Ele ela uma frase... tinha verbo, sujeito e predicado. Eu estava sendo diretamente atacado pelas palavras.  E as palavras são cegas. Elas não enxergam... A única forma de enfrenta-las é com o corpo, através de gestos. Também é preciso  focar o pensamento em imagens ...
Você não sabe do que estou falando. Mas uma grande batalha aconteceu naquele limbo.
Quando tudo acabou eu me vi sozinho no meio do nada. O rapaz desapareceu repentinamente. Mas ninguém havia vencido...

2-      A VOZ DO MUNDO E AS PALAVRAS

Eu lidava com a voz do mundo através dos pedaços de conversas que colhia nas ruas. Mas as palavras também dominavam através dos livros. No terreno da escrita, entretanto, eu não era capaz de enfrenta-las.  Ali as palavras eram mais sutis e poderosas na arte de exercer seu poder através da sombra dos pensamentos.  Minha arena era as ruas e as situações mais cotidianas.
De modo geral as pessoas não sabem o quanto as palavras comprometem suas certezas, o modo como são manipulados por elas. Mas existe um jogo, uma trama das palavras que vai muito além de seus significados. Nós não as usamos. Somos manipulados por elas e sua necessidade narcisista de auto afirmação.
Uma menina cheia de vida e com todo futuro pela frente esbarrou em mim hoje.  Mas as palavras que ela vivia lhe tiravam toda perspectiva das coisas. Eu a ouvia falar, mas não via uma pessoa por traz das palavras. E assim é na maioria das vezes.
As palavras não dizem as coisas, não correspondem a elas. Mas se alimentam das coisas como  se alimentam de nós mesmos no seu acontecer como enunciados.
A vida é a organização das palavras em discursos. Esta é sua existência. Mas elas não existem em si mesmas. Elas precisam de nós. Enquanto as pessoas não perceberem isso, estamos sujeitos aos seus caprichos.  As palavras dormem na sombra...
Voltei para casa, para o meu quarto logo no início da noite. As vozes do mundo se calam entre aquelas quatro paredes quando me deito e, simplesmente, não penso em nada. A solidão é a melhor maneira de fugir ao domínio das palavras.
Gosto do sono...
De me perder do mundo
E das palavras através dos sonhos.
Através deles minha existência
Ganha plena realidade
E eu já não me importo
Se quer com o relativo fato
Da minha existência.
Existo como metapalavra
E corpo físico e abstrato.
Quando já quase adormecia aquela mulher nua apareceu do nada flutuando diante de mim. “ Eu sou a palavra do tempo” Era tudo o que ela dizia. Então, uma senhora surgiu deitada ao meu lado. Mirou-me nos olhos e disse: “- Cuidado com o Sr. Tempo meu filho. Ele quer acabar com todos nós.”
Ambas me pareciam familiar... Devo tê-las conhecido em algum momento. Mas isso não é importante. Tão subitamente como apareceram ambas simplesmente sumiram no ar.  Não há muito a ser dito sobre isso. Coisas assim acontecem o tempo todo.
Existo dentro do meu silêncio. Talvez algum dia as pessoas finalmente entendam que não dependemos das palavras, que não precisamos delas para compartilhar o essencial. A vida dos discursos não devia valer mais do que a vida das pessoas. Mas não é o que acontece.
Estou com sono...



quarta-feira, 27 de julho de 2016

UMA CRUZADA CONTRA AS PALAVRAS

1-     
A VOZ DO MUNDO

Eu morava em um pequeno quarto dentro de um prédio abandonado no centro da cidade. Tudo que existia nele era uma janela. Meus pertences se resumiam a um colchão velho, um travesseiro  e algumas cobertas. Estar em casa era sinônimo de estar deitado. Apenas isso.
O prédio era habitado por miseráveis catadores de lixo e vagabundos de toda espécie. Mas até eles me evitavam. Diziam que eu cheirava a cadáver. O que devo admitir como verdade. Tomar banho era para mim um hábito bastante raro.
Aquela era a única vida que eu sabia viver. E não importava com absolutamente nada.  Quanto ao meu cotidiano, me alimentava de qualquer coisa comestível que me caísse nas mãos. Sempre aparecia alguém oferecendo alguma coisa na rua. Bastava ficar em pontos estratégicos próximos a lanchonetes e restaurantes. Sempre se conseguia algum resto de comida nestes lugares.  Não por que as pessoas eram boas. Apenas porque sobrava.
Quando não estava vagando pelas ruas, atividade a qual dedicava a maior parte do meu tempo, refugiava-me entre as quatro paredes do quarto maltrapilho e vazio que habitava. Em seu aconchego alternava irregularmente  entre a cama e a janela. Ou seja, quando não estava tentando dormir  deixava a imaginação vagar pelo movimento da rua lá embaixo.
Mas não sou do tipo pensativo.  nunca tive grandes questões existenciais. Se quer recordo    onde nasci, como cresci ou guardo lembrança de qualquer membro da minha possível família. Na verdade não carrego o peso de nenhum passado. Me lembro apenas de ontem... depois esqueço e sigo minha vida como se o tempo fosse apenas o agora e sempre.
Também não sou de conversas. Gosto de caminhar sozinho. Mas quanto a este particular é bom esclarecer uma coisa: Tenho um  bom ouvido. Quero dizer... Enquanto eu ando por ai costumo colecionar fragmentos de conversas que escuto em todas as partes.
Isso é difícil de explicar. Os pedaços de diferentes conversas formam um painel, dialogam entre si dentro da minha mente. É como se juntos produzissem um novo texto formado pela soma dos fragmentos. Chamo isso de voz do mundo. Os fragmentos vão se entrelaçando e construindo uma trama. Cada dia as frases de um quase infinito de vozes se combinam em minha cabeça e contam uma história diferente que diz muito sobre o que realmente esta acontecendo a minha volta. Por baixo da superfície dos fatos cotidianos as palavras seguem uma vida própria e se realizam através de nós. Somos todos seus instrumentos. Em cada silaba nos afirmamos como meros joguetes do verbo.
Acredite em mim. Sei mais sobre o que realmente esta acontecendo no mundo do que a maioria das pessoas. A existência é um grande pesadelo. Mas ninguém faz ideia do tamanho do caos no qual estamos metidos. Não me considero um privilegiado por ter essa habilidade. Para mim é como uma maldição.
Através da voz do mundo eu sei o quanto as pessoas são artificiais, o quanto existem apenas naquilo que dizem. Mas as palavras possuem um poder secreto. Elas tem vontade própria e determinam tudo o que sentimos, pensamos ou fazemos. Qualquer coisa dita é pré- definida por este espirito que habita todo enunciado. Toda conversa ou frase que concebemos é de antemão arquitetada por esta coisa sem nome que governa as palavras. Sua manifestação é o que chamo de voz do mundo. Pois o mundo é a própria palavra em sua impessoalidade e imperativo de sentido.
2-      O MUNDO DA VOZ: A ESTRUTURA DE UM DIA
Há muita inquietude nas ruas atualmente. Percebo uma agressividade latente nas palavras. Mesmo naquelas conversas mais cotidianas,  as frases soam como navalhas na maior parte das vezes. As pessoas estão sempre descordando.  É como se a harmonia entre as palavras, no seu simples acontecer como discurso, houvesse sido suplantado pela afirmação pura e simples do seu significado. As palavras unidas em discursos se enfrentam. Mas este é um assunto para outro dia.
Andar pelas ruas escutando a voz do mundo é como montar um complexo quebra cabeça. Nem tudo que escuto é relevante. Muita coisa eu simplesmente descarto. É preciso encontrar falas que se comuniquem uma com outras... falas sem qualquer nexo causal, apesar disso. Só assim é possível  identificar a trama do dia.
A terama do dia de hoje era “divida”. Havia colhido muitas falas sobre dividas pela manhã.
Agora mesmo passei por dois ambulantes onde o mais robusto, aos berros e sacudindo freneticamente os braços diante do seu interlocutor, fazia a seguinte queixa:
-Você precisa me pagar.
Não anda sobrando dinheiro para ninguém.
A pessoa tem que ter palavra!
O outro e franzino ambulante não se intimidava e retrucava no mesmo tom:
- Eu vou te pagar quando disse que ia te pagar.
Se fosse pra ficar me cobrando antes do tempo não me emprestasse.
Onde já se viu. Você não tem a mínima consideração e destorce as coisas.
Poucos metros  em frente, escutei duas senhoras conversando em um banco de praça:
-A Matilde vai me pagar pelo que fez ontem. Onde já se viu chamar minha atenção de modo tão deselegante na frente dos outros?! Ela devia ter mais consideração comigo depois de tudo que fiz por ela. Mas não. Preferiu me avacalhar. Falta de gratidão é uma coisa que não tem perdão. E ela ainda distorceu a situação toda.
Outros fragmentos com a mesma temática surgiram em diferentes pontos do meu trajeto na fala de diversas pessoas. Isso era suficiente para eu saber que algo de muito sério relacionado a divida estava acontecendo em algum lugar. A minha missão era impedir o pior. Sim... Era para isso que eu juntava os fragmentos. Para seguir a uma trilha que me levaria a me envolver em algum tipo d situação na qual eu salvaria alguém. No fundo eu sou uma espécie de super- herói com um poder muito sutil: impedir que as palavras e enunciados destruíssem as pessoas.
Mas agora, como era hora do almoço, resolvi fazer uma pausa na minha aventura. Sentei na calçada em frente a um restaurante e fiquei ali com os olhos vidrados no nada. Não demorou muito e um funcionário do restaurante apareceu e me ofereceu uma quentinha com a condição de que eu fosse embora dali. O meu mau cheiro estava incomodando a clientela. Isso sempre funcionava. Eu jamais morreria de fome enquanto não fizesse do banho um cuidado diário. 
Só quero deixar bem claro que não sou do tipo que pede esmolas. Sei que as pessoas nunca agem por piedade ou solidariedade. Há sempre qualquer outra coisa por traz de gestos altruístas. Muitas vezes é a pueril necessidade de se sentir superior e moralmente distinto através dos necessitados. A verdade é que ninguém leva um mendigo para casa e o convida a comer na sua cozinha.
Havia uma praça próximo dali. Era um espaço arborizado e agradável. Gostava de almoçar por ai e depois dormir sobre a grama. Havia um cachorro branco, um vira latas, que sempre aparecia do nada e se deitava ao meu lado.
Antes de dormi apreendi mais um fragmento de conversa:
- Não se trata de vingança. Mas de um acerto de contas. No fundo você colhe o que plantou. Funciona assim pra todo mundo.
Não dei muita atenção e me rendi ao sono. Só fui acordar uma hora depois. Agora estava bem disposto e descansado. Apto a retomar minhas andanças em busca de aventura. Em muito pouco tempo alcancei uma parte da cidade que não tinha o costume de frequentar. Era um bairro de classe media alta. Por lá as ruas eram limpas e as fachadas dos prédios esnobes e pseudo sofisticadas. Gente como eu não era bem vinda por aquelas bandas. Mas eu sabia que tinha alguma razão para estar ali.
Mas não precisei perambular muito para me ver diante de uma situação interessante...

3-O MUNDO DA VOZ: A CARNE  DAS PALAVRAS

Desta vez eu havia ficado preso a um monologo. Uma senhora muito bem vestida, de porte claramente aristocrático e aparentando pelo menos uns setenta anos, passou na direção contrária falando sozinha:
- Estão todos mortos agora.
E Não me cobre nada por isso Sr. Tempo. Nada lhe devo.
Não tinha eu que morrer com eles! A vida quebrada deles não equivale a minha morte.
Onde já se viu?! Minha vida não tem prazo de validade.
Pois é.... Ela estava falando com o tempo. Deve ser senil. Mas havia alguma coisa ali além de uma velha esclerosada. Mas ela também estava falando de dívida. Dei meia volta e comecei a segui-la discretamente prestando toda atenção no seu discurso:
-... Ninguém realmente existe. A morte é a verdadeira realidade. Você devia entender isso Sr. Tempo. Todos morreram e não faz diferença eu continuar viva ou ficar morta. É tudo a mesma coisa. Mas você quer que eu morra. Mas eu não irei morrer. Entendeu?
Eu não podia ficar indiferente aquilo. Aprecei um pouco o passo e me pus a caminhar ao lado dela. Então criei coragem para interpela-la:
- Então o tempo quer acabar com você?
A idosa arregalou os olhos verdes, passou a mão pela vasta cabeleira branca e me respondeu meio ressabiada:
- Você fede demais. Parece um morto vivo. Mas vou logo avisando que não tenho nenhum dinheiro comigo. Não posso ajuda-lo.
-Mas eu não quero dinheiro- Respondi de forma um pouco áspera.
Continuamos a caminhar lado a lado e ela não parava de repetir que eu fedia a um cadáver. A conversa não estava rendendo muito. Eu devia ter ficado quieto. Nunca da certo perder meu tempo com as pessoas. Elas nunca me enxergam. Estava eu agora fazendo o jogo das palavras. Deixando que enunciados acontecessem através de mim replicando a trama. Mas agora era tarde demais. Eu já estava envolvido.  E ela não parava de reclamar do meu cheiro.
Gastei muita saliva para persuadir aquela senhora maluca a conversar comigo. Mas tive que ceder um pouco para chegar a um tipo de acordo. Concordei em dar um jeito de improvisar um banho.  Paramos em um posto de gasolina e ela pediu uma mangueira do lava jato emprestada. Foi humilhante aquilo. A velha me alvejou com um jato d’agua e me obrigou a me esfregar até que a lama entranhada na minha pele fosse embora com a agua. Aquilo durou alguns longos minutos que me pareceram uma eternidade.
-Bom. Agora sim podemos conversar. Você não esta lá estas coisas, mas pelo menos não parou de feder a carniça.
Sabe filho, você devia tomar cuidado com o Sr. Tempo. Ele nos espreita o tempo todo e, se fosse por ele, já estaríamos todos mortos. Acho que nem teríamos nascido. Trate de se cuidar mais. É o modo que temos para engana-lo durante algum tempo.
- eu não entendo o que a senhora diz sobre o tempo.
- Imagino que não. Mas todos estamos devendo uma coisa a ele. Viver é tirar algo dele...
O tempo me disse que você apareceria; que tentaria me salvar dele.
-Olha, eu apenas sigo palavras. Elas me levam a pessoas com problemas e eu as salvo. Eu escuto a voz do mundo. Mas a senhora não tem como entender isso. Então, apenas me fale sobre o tempo. Quero ouvir.
- esta bem. Vamos sentar naquele banco ali. Preciso descansar um pouco as pernas.
Nos sentamos lado a lado em um banco de ponto de ônibus. Por um instante ficamos em silêncio nos estudando e talvez planejando o próximo movimento. Era uma situação bem estranha. Mas acho que aquilo tinha que acontecer. Agora eu estava dentro das palavras e as palavras dentro de mim. Como todo mundo... Não sabia direito o que fazer. Já não tinha qualquer domínio da situação.
Um menino de cinco anos passou a nossa frente discutindo com a mãe:
-Um dia eu vou ser grande e você vai ver. Vou pagar tudo que você me deu. Acabar com a divida que tenho com você....
  A mãe ignorava suas palavras. Preferia não levar o garoto a serio... Voltei a prestar atenção naquela senhora doida que, aliais, já tinha começado a falar novamente:
-...Por isso que eu digo. Você precisa se precaver, se defender do tempo. Caso contrário ele  te leva embora também.  Eu vi todos morrerem...
Ela ficava repetindo que todos estavam mortos. Divida e morte pareciam relacionadas para ela. Tentei explorar um pouco isso. Mas que maçada! Eu agora era parte do jogo. Havia caído nas garras da voz do mundo. Eu não  tinha mais controle. As palavras estavam no controle e eu já não era capaz de perceber onde elas estavam nos levando.

4-      O MUNDO DA VOZ: O DIZER O PENSAR E O NÃO SER

Eu estava todo molhado por conta daquele maldito banho de mangueira. E agora estava conversando com aquela senhora em um ponto de ônibus como se fossemos íntimos. Só sei que precisava entender o que as palavras estavam fazendo com aquela senhora, que mundo estavam inventando na cabeça dela. Talvez eu pudesse salva-la. É isso que eu sempre faço. Mas ela apenas falava sobre o tempo:
-O tempo nos quer meu filho. Ele é o maior inimigo da vida. Ele nunca se conformou com o fato dela ter acontecido. Por isso quer destruí-la. E tenta fazer isso através de cada um de nós. É por isso que morremos. Mas a vida sempre começa de novo. Isso o deixa possesso.
Por outro lado, a gente sabe que a vida também não pode derrotar o tempo. Essa guerra não tem fim. Ninguém vai vencer.
-Olha minha senhora; não sei mesmo o que pensar sobre o tempo. Na verdade eu nem tenho uma boa memória. Não me lembro do meu passado... Só acho que é contra as palavras que realmente lutamos. Elas nos usam para realizar coisas. Isso esta acontecendo exatamente agora com a gente. Não há como escapar. Tudo que eu faço é salvar algumas pessoas das palavras. E é isso que queria poder fazer pela senhora.
-Mas não há salvação meu filho. Já estamos todos mortos no tempo. Na verdade nunca existimos.
-A senhora não pode realmente acreditar nisso.
-Eu vi todos morrerem. Não faz diferença no que a gente acredita.
Naquele momento ocorreu diante de nós uma aparição bizarra. Uma mulher nua e esbelta de longos cabelos dourados surgiu flutuando no ar e sorriu ternamente para nós; dizendo:
-Não se assustem nem tentem entender o que agora acontece e nunca foi.
Sou a palavra do tempo, a musa dos poetas e loucos. Aconteço a meio caminho do que foi e não foi. É preciso que vocês saibam.
A existência acontece em muitas camadas de universo.
Estamos aqui, agora e em muitos outros lugares que vocês não sabem possíveis além dos sentidos.
Estou aqui para conduzi-los por uma viagem através do não ser, pois estamos todos imersos nele quando toda ação se mostra ausente.
Antes que pudéssemos esboçar qualquer reação, o mundo desapareceu a nossa volta. Já não percebíamos se quer os nossos corpos. Eu não sabia o que era eu e o que era o mundo. Estávamos em algum lugar indeterminado onde já não havia tempo ou palavra. Não me pergunte como, mas estávamos dentro daquela mulher nua. Mas a senhora que me acompanhava estava se dissolvendo como se fosse feita de pó. Ela sorria enquanto isso acontecia.
Quanto a mim, eu não fazia a mínima ideia de onde estava ou o que havia me tornado. Meu corpo parecia outra coisa... Não me façam explicar. As palavras haviam sumido de dentro da minha cabeça. Apenas imagens desfilavam em minha mente em um fluxo interminável. Não conseguia acompanhar aquilo direito. Não sabia mais o que era a realidade.
Não sei quanto tempo isso tudo durou. Confesso que não me lembro de tudo que experimentei. Só sei que em algum momento tudo voltou ao normal e eu estava ali diante de um garoto determinado a se matar. Eu precisava impedi-lo. Liberta-lo do jogo das palavras. Mas do que nunca eu sabia que precisava salvar as pessoas... Desta vez, entretanto, não fui bem sucedido. Mas não podia desistir. Eu preciso salvar as pessoas.




terça-feira, 26 de julho de 2016

ENLOUQUEÇA!

Dedique uma hora do seu dia
Ao franco absurdo.
Não pense muito.
Apenas perca o juízo,
Haja por impulso
E que se danem todas as consequências.
Afinal, o que você tem a perder?
Nenhuma vida é perfeita
E todo otimismo é uma questão de vaidade.
Mergulhe no abismo
E se esqueça um pouco.
Siga o meu conselho:
Enlouqueça!


segunda-feira, 25 de julho de 2016

DESATINO ERÓTICO

Sua vulva lambuzada pulsa
Como se fosse um abismo
Em convulsão.
Quantas perversões a serem exploradas,
Quantos desejos absurdos, fantasias,
Orgias e perversões!
Faça de mim seu animal faminto.
Quero ficar para sempre entre suas pernas,

Vago e abaixo da condição humana.

AS VIRTUDES DA MASTURBAÇÃO

Os  sedutores calores
Que ascendem em seu ventre
São apelos a vida.
Use com jeito seus dedos
E aqueça a abstrata chama
Do querer que anima o seu corpo.
Domine seu intimo fogo.
Não deixem que o roubem.
O mais sublime gozo
É sempre intimo e solitário.


sexta-feira, 22 de julho de 2016

SOU APENAS MEU CORPO

Sou um corpo vivo entre outros corpos.
Alguns animados e outros inanimados.
Essencialmente sou corporeidade concreta,
Tempo,  espaço e movimento.
Quase não creio no pensamento
Ou no abstrato ontológico dos filósofos metafísicos.
Sou em meu ventre, no meu apetite,
Sensações e gozo.
Nenhuma teologia ou razão
Me esclarece a existência.
Tudo é uma questão de anatomia,
Fisiologia e natureza.

Não passamos de animais doentes.

quinta-feira, 21 de julho de 2016

GOZO PSICODELICO

A noite avança sensualmente
Trajando silêncio
Enquanto renuncio ao dia
Sabendo estrelas dançando
Em meus olhos de lua.
Você brilha despida sobre a cama
Enquanto alucino
E invento um momento
No qual de tanto existir
Desistimos da vida.
O prazer é como um gozo de morte

Na transfiguração dos sentidos.

terça-feira, 19 de julho de 2016

A FALÁCIA DA FÉ

O que faz de toda profissão de fé uma falácia é a incerteza elementar que permeia qualquer  afirmação humana sobre a existência e a realidade. 

Dou pouco valor ao grande edifício da civilização e da cultura. Nele não encontro o lugar que me cabe na irracionalidade e absurdo que é a existência.

Mas longe de mim cair na asneira do "buscar a si mesmo". Pois sou a soma de tantas coisas automáticas, percepções, sensações, imagens e enunciados que é praticamente impossível derivar da totalidade destes fenômenos umas versão coerente e homogenia. Independente disso, o mais visível é que existo através de um ego que se coloca a parte de tudo isso de modo unilateral e inconsciente de seus próprios fundamentos.

Então, como crer convictamente em qualquer hipótese ontológica, em qualquer verdade, considerando todo desconhecimento que paira sobre qualquer formulação humana?


A fé é uma expressão de arrogância e ingenuidade daqueles que sofrem de demasiada necessidade de inventar seguranças.

segunda-feira, 18 de julho de 2016

BALANÇO BIOGRÁFICO

Talvez um dia
Algum desavisado descubra
Qual foi afinal
O mais fatal dos meus acertos.

Tive a vida que me foi possível
Dentro dos limites do concebível.
Soube meu tempo e de alguns rostos,
Soube também sobre muitas coisas que jamais vivi.

Tudo para mim se resumiu a intensidade
Dos prazeres do corpo, ao desregrado das sensações,
Que me levaram além de qualquer racional conhecimento
Do pouco de mim mesmo.

Existi  na fronteira instável do eu e do mundo
Onde nada se estabelece como permanente.


sexta-feira, 15 de julho de 2016

SEJA IRRACIONAL

Não viverei deste agora
Que não me justifica a existência,
Que não me faz um terço
Daquilo que posso ser.
Amanhã será o ultimo dia
Do meu passado.

Desde agora renuncio
A todos os meus pequenos e rotineiros
Suplícios.
Não serei mais paciente com os outros
E manifestarei todos os meus desacordos.

Quero ter todas as possibilidades do futuro
Ao alcance das mãos
No mais passional sentimento de mundo.



quarta-feira, 13 de julho de 2016

O TRIUNFO DA INDIVIDUALIDADE

Nos fazemos senhores de nós mesmos
Na medida em que deixamos de fazer
Concessões,
Que já não nos curvamos aos caprichos alheios
E erguemos o rosto
Contra os lugares comuns
Que conformam as multidões.

A autenticidade é uma virtude
Que diferencia o individuo
Dos que se curvam ao não dizer coletivo.
É o que nos articula em uma única voz
Em meio a multiplicidade de eus

Que nos inventam.

terça-feira, 12 de julho de 2016

ENTRE MELANCOLIAS E ASSASSINOS

Não irei me enganar com esperanças.
Nenhum futuro me parece promissor
Ou digno dos meus desatinos ou caprichos.
Quero ser como aquele senhor ali
Que apenas se ocupa de sua caneca de vinho.

Mas esperem....
Há maldade em seus olhos.
Sei  que sua mente arquiteta
Algum plano sinistro.

Entre nós, todos sabem,
Caminham muitos futuros  assassinos.
Eles matam por demasiada paixão pela vida.


sexta-feira, 8 de julho de 2016

SEM CONTROLE

Nada está sob controle.
Não sou o primeiro a afirmar isso
E também não serei o ultimo.
Mudanças abruptas sempre nos surpreendem
Quando nos achamos no braço de algum destino.
Todos os planejamentos são relativos
E todo significado parcial.
Nada ainda é possível
Enquanto temos qualquer verdade a mão.

A segurança não é respirável.

FUGA Nº INFINITO

As imaginações transbordam
E apagam o dia.
Vivo agora de delírios
Que reinventam a realidade.
E percebo que é muito pequeno lá fora
Diante de todos os mundos
Que habitam dentro de mim.

Posso viver de novo
O dia em que me deixei
Para sempre.

As noites dançam

E já é quase setembro.

quinta-feira, 7 de julho de 2016

IRRESPONSABILIDADE

Quando tudo estiver confuso escolha a opção errada. Sobre certas circunstâncias, o que parece certo pode nos induzir ao erro de uma avaliação ingênua.

 Julgamentos morais geralmente nos levam apenas a armadilha do caminho reto em uma estrada torta. Eis a receita do fracasso.

As vezes precisamos ser mais astutos do que as circunstâncias, mais absurdos do que os fatos ou, simplesmente, irresponsáveis.


quarta-feira, 6 de julho de 2016

SOBRE O PRINCÍPIO DA ABSTRAÇÃO

Falando muito livremente, a abstração é normalmente associada a toda representação que nega os dados sensoriais, que isola um dado objeto particular da totalidade e contexto onde se insere e ganha concretamente um significado sensorial.  Destilado do mundo real tal objeto  ganha novas colorações e formas não concretas, é apropriado por aquele que o toma como  objeto indeterminado e plástico a significações subjetivas que podem mesmo contrariar sua representação sensorial e concreta. Assim, uma cadeira especifica, pode se tornar uma forma e agregar funções representativas que não passam pelo seu uso funcional. Neste contexto, abstrair evoca a imaginação e a capacidade de pensar contra a normatividade do acontecer do real. A abstração torna-se, assim, espaço privilegiado do pensamento que leva as últimas consequências a realidade como representação subjetiva, como teleologia. O sentimento de um objeto a partir de seu deslocamento da realidade é o que funda a abstração como experiência do intelecto que o reconfigura em um cenário virtual imagético.


A abstração é um modo de subversão da realidade muito familiar aos poetas e todo tipo de desregrado do espírito.

terça-feira, 5 de julho de 2016

MEU CORPO É MEU PENSAMENTO

Minhas emoções ocupam o meu cérebro.
Tenho sempre que me entender com elas
Sobre tudo aquilo que penso, gosto
Ou acredito.
Pois sou inteiramente o meu corpo,
Despido de alma e de  caprichos divinos.
Não sou mais do que estes nervos,
Esta fome e esta necessidade de respirar,
De me afogar no próprio ar.
Não ando com aqueles que cultuam raciocínios,
Que não devoram cada questão posta à mesa
Com a gana  dos miseráveis.

Meu corpo é meu pensamento.

AS PERIPÉCIAS DO PENSAMENTO

Existo na medida em que sou presente no mundo
Como um corpo vivo  consciente de si mesmo
E  da realidade das coisas.
Mas isso não me esclarece ou acrescenta.
De nada vale o pensamento,
Posto  que de tanto explicar a vida e o mundo
Não vai além da invenção de si mesmo
Como  delirante versão da realidade.



A ONIPOTÊNCIA DO TÉDIO

Sei mais sobre o tédio do que sobre mim mesmo.
Talvez apenas o tédio exista
E eu viva apenas para realiza-lo.
O tédio...
Este gigante das emoções bravias
Que nos silencia a vontade e os atos!
Como escapar ao seu peso?
A própria vida se confunde com o tédio
No enfadonho esforço diário
Da simples e banal sobrevivência.
Vivemos para servi-lo,

Reproduzi-lo até o limite da existência!

segunda-feira, 4 de julho de 2016

OS LIMITES DA LINGUAGEM

A vida faz sentido exclusivamente através das palavras.
Apenas em nossos discursos o mundo ainda funciona,
Torna-se  inteligível .
A palavra  dissipa o caos existencial  do imediatamente sentido
Como fato exterior e agressão objetiva.
Mas se a palavra porta as razões da boa consciência,
Ela é também personifica sua precariedade.
Nenhuma racionalidade da plenamente conta
De nos dizer o mundo

Ou nos define o sentir mais intimo das coisas.

sexta-feira, 1 de julho de 2016

AS VIRTUDES DA IMPACIÊNCIA

A impaciência se tornou uma virtude no mundo atual, pelo simples fato de ser impossível administrar o tempo. Mesmo quando  ociosos transbordamos de ansiedade. Pois até mesmo as estratégias de evasão, nossas possibilidades de lazer e diversão, obedecem aos protocolos de uma atividade laboriosa. Viagens, jogos ou simples passeios geram mais ansiedades do que propriamente descontração na maior parte do tempo.

A impaciência é a única impulso que nos conduz a sair do jogo social. Ela é sua recusa irracional e impulsiva, conduzindo o individuo a renuncia e esquecimento inusitada estratégia de recusa e sobrevivência. As vezes desistir de tudo é a única maneira de vencer quando o próprio rasoavel já se revela a anti sala do insuportável.