sábado, 28 de novembro de 2015

LOST



Não me lembro de quando fiz uma refeição decente pela última vez.
Também não me lembro de onde estou vindo e muito menos para onde estou indo.
Só sei que a rua não acaba. A cada passo ela parece crescer um pouco entre tantas janelas e portas que não tiram os olhos de mim.
É tudo diferente agora.... Posso sentir o tempo. Sou invadido por aquela sensação de vitalidade de antigamente. Sou novamente uma criança. Preciso reencontrar todos... Sei que voltei  para aqueles bons tempos de infância. Não estou mais aqui e agora.
A rua tenta me dizer o contrário.
Preciso sair dela.  Tenho que continuar andando.
As pessoas pensam e falam de mais sobre a vida e as coisas. Mas elas são o problema. Acreditam demais no fato de que são quem acham que são.  Mas nenhuma delas é realmente alguém.
As pessoas não cabem no mundo. O mundo as transforma nessas coisas patéticas que andam de um lado para o outro fazendo coisas sem entender direito porquê.
Estava com saudades de casa, do abrigo dos rostos, da casa arrumada, da boa comida simples, do cachorro no quintal. Eu estava morrendo de vontade de voltar para o meu lugar. De ser eu novamente. A rua vai acabar. Só preciso continuar.
Nos últimos tempos vivi em lugares de pouca realidade onde tudo era insípido e estéril, onde eu não era visto e tudo estava arruinado.
Mas vou vencer a rua e voltar ao que eu era. Estou muito perto disso.
Logo estarei novamente lendo quadrinhos enquanto o bolo de banana aça no forno e  aguardo um episódio de seriado começar na TV.  Um pouco de limonada gelada ia cair bem agora...
Preciso vencer logo a rua.
Talvez tudo isso seja um pesadelo e eu acorde logo. Ou talvez o abrigo de casa seja apenas a memória de um sonho distante.
O que sobra de mim é muito pouco para inventar saídas.
Todos aqueles que eu amava estão mortos. Então só me resta morrer também. Já não me cabe fazer parte da comédia humana. Daqui para frente o passado será sempre mais real do que o presente.
Botem fogo nos travesseiros. Levem o onírico para as ruas. Dancem em praça pública e provem o transe dos danados! Não há outra escolha.
Abandonem as ilusões imbecis de felicidade. Rompam o torpor dos mortos vivos.
Desde o início estamos todos mortos. A morte é a única estética possível.
Os jovens já não são mais jovens. Apenas possuem mais tempo e mais recursos do  que eu.
Sangro na cidade mutilada como um vidente.
A rua não acaba. ...
Ouço a musica de mim enquanto os passos findam.
Daqui a pouco será apenas a rua e suas portas e janelas que a tudo espreitam.
Vou dormir e destruir de vez a consciência. Afundar no abismo do silêncio.
Mas a rua não acaba...

Sigo adiante.

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