segunda-feira, 10 de julho de 2017

A HISTÓRIA QUE NÃO FOI ESCRITA

Eu tinha uma história para contar. Mas ela fugiu de mim antes que pudesse ser escrita, como um sonho intenso que se dissipa na primeira hora do despertar.  De repente, ela simplesmente não estava mais ali. Tornou-se silencio voluntariosamente. Como se não  tivesse encontrado em mim seu vidente. Pode ser mesmo que eu não fosse digno.

Há textos que se inventam na gente, mas somos incapazes de compreende-los, de dar conta deles. É como se eles nos ameaçassem mesmo a sanidade, o equilíbrio e o cotidiano. A vida das palavras podem mesmo transbordar a gente. É como uma possessão.

Assim é a história de um texto que não foi escrito. Nem mesmo sei se era um romance, um simples conto ou um poema. Apenas me lembro que era terrível. Posso ainda intuir seu fantasma. Mas não posso dizê-lo sem correr o risco de no ato inventar  outro texto.

Mas eu tinha uma história para contar e nem mesmo sei dizer qual era seu enredo, seus personagens e o seu tempo. Acho que era sobre qualquer coisa que eu não compreendia. Ou que, pelo menos, não queria saber. Talvez ela não tenha fugido. Mas eu a tenha recusado sem perceber ou querer.

Não havia  lugar em mim para ela. Entre nós existia  qualquer desencontro entre palavras e coisas que desandavam o dizer de tudo. Era como uma luta entre o sentido e o não sentido, entre a imaginação e a realidade.   Não sei do que estou falando. Mas era uma história sobre todos nós. Ouso dizer: uma revelação!

Quem nunca teve a intuição de algo terrível por detrás das paisagens  do existir cotidiano e banal? Os loucos intuem estes subterrâneos que poderiam por tudo a perder.  As vezes nos esbarramos ou tropeçamos neles. É perigoso.... sempre é perigoso. Podemos perder o senso de realidade. Tomar como verdade a fantasia.

Quem sabe mesmo esta história que não foi escrita não seja a realidade? Tudo o que agora penso pode ser um delírio ao qual estou preso. Ninguém pode provar que estou errado  através de induções e deduções vazias que só fazem sentido quando acreditamos nelas.

Eu não acredito em nada. Não sei de nada. Apenas lamento a perda daquela história que não fui capaz de escrever, seja por que motivo for. Ela está em alguma parte e posso mesmo reconhece-la amanhã através da pena de outro escritor. Boas histórias não são fieis, não tem lealdade.

Todas aquelas pessoas dispersas que vejo no vagão de trem que me leva ao trabalho... há um pedaço desta história  em cada uma delas. É como um grande quebra cabeça. Mas claro que elas não sabem disso.  Não escrevem, não passam os olhos nem mesmo sobre um pedaço de jornal. Não fazem ideia do que carregam. Agora eu me sinto um pouco como elas. 
 

Mas meu maior problema é saber que posso algum  dia encontrar esta historia perdida nas paginas de um livro qualquer, vinculada a alguma duvidosa autoria, talvez  em uma versão distorcida e imperfeita.  Pois de tão minha ela não é de ninguém. Nunca será bem escrita.

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