Ela acordou de repente achando que o dia
anterior não tinha passado de um sonho ruim. Demorou a se dar conta do que
aquele aparente absurdo não fora um sonho,
resistia a crer no mais elementar dos fatos e acontecimentos.
Até então tudo que havia importado era o
fato de que todos estavam mortos e ela não passava de uma velha solitária; que o
tempo era uma espécie de assassino metafisico conspirando contra a vida humana.
O tempo não era uma coisa, mas um sujeito abstrato e maléfico deliberadamente
agindo contra todos nós. Ele era a mais radical personificação do mal. Mas
agora tudo estava diferente. Graças aquela mulher nua que pairava no ar. Ela sabia do tempo... do quanto ele
era perigoso. Mas a mulher nua não pertencia ao nosso mundo e a luta contra o
tempo. Se quer sabia o que é estar vivo.
O mundo é muito diferente daquilo que pensamos que ele é quando sabemos
as coisas através dos olhos daquela mulher nua. Tinha tido essa experiência e,
de algum jeito, ainda estava dentro dela.
A velha senhora sabia que havia saído da consciência do tempo e do
espaço mediante algum artificio utilizado pela misteriosa mulher nua. Agora
tudo a sua volta era uma espécie de limbo abstrato onde sentia a paz da
experiência do insubstancial das coisas. Ali o tempo não poderia toca-la, pois ele simplesmente não tinha como existir
ali onde absolutamente nada acontecia ou podia acontecer.
Também já não carregava a culpa de todos
aqueles que morreram, de todas as
vivencias desfeitas e épocas perdidas. Era o tempo o verdadeiro algoz e
não sua falta de cuidado com aqueles que
tanto amava . Agora estava livre de tudo. Inclusive do inconveniente peso de si
mesma e dos outros.
Seu corpo era agora uma coisa entre as
coisas dentro do tecido do universo inteiro. Algo insignificante e, ao mesmo
tempo, pleno de sentido em si mesmo. Existir era algo relativo e
paradoxal. Ela sabia que havia se
transformado em algo impossível. A realidade era infinita e não passava de um
mero grão de areia. Como explicar?
Queria saber o que havia acontecido com
aquele maltrapilho que havia encontrado na rua. Percebeu que isso não era difícil.
Bastava pensar nele e estaria na sua presença. Foi o que fez. Agora estava
diante dele em um quarto abandonado e sujo que fedia a carne podre embora
praticamente vazio. Eram só quatro paredes encardidas e uma janela para rua...
-Olá meu filho Encontrei você novamente.-
Bastava pensar para que suas palavras estivessem na cabeça dele. Laconicamente
o maltrapilho respondeu sem demonstrar qualquer assombro:
-Não lhe conheço.- soube sua resposta sem
que qualquer forma de verbalização. Também sabia suas emoções naquele momento e
em muitos outros tempos. Percebeu que ele não sabia se quer quem ele era e que
de um modo diferente habitava um limbo. Não havia o que conversar. Pelo menos
por enquanto. Mas chegaria o momento em que o faria ver as coisas de outra
maneira. Pois para ela isso já tinha acontecido em algum lugar. Parou de pensar
nele e retornou ao seu limbo.
A INVISIVEL VOZ DE LUGAR COMUM
Aqui o nada encontra o todo
E inexistem todas as coisas.
O segredo da vida
É que ela não está em qualquer parte
E o corpo é mais misterioso
Do que todo o universo.
Não se preocupe com a verdade
Ou com as imaginações dos sonhos,
Há mais coisas em seu pensamento
Do que o pressuposto por sua consciência.
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