ATÉ AS PALAVRAS MORREM
[...] Nada a retinha, nem o medo.
Más mesmo que agora se aproximasse a morte, mesmo a vileza, a esperança ou de novo a dor. Parara simplesmente. Estavam cortadas as veias que a ligavam as coisas vividas, reunidas num só bloco longínquo, exigindo uma continuação lógica, más velhas, mortas. Só ela própria sobrevivera, ainda respirando. E a sua frente um novo campo, ainda sem cor a madrugada emergindo. Atravessar suas brumas para enxerga-lo. Não poderia recuar, não sabia por que recuar.
Más mesmo que agora se aproximasse a morte, mesmo a vileza, a esperança ou de novo a dor. Parara simplesmente. Estavam cortadas as veias que a ligavam as coisas vividas, reunidas num só bloco longínquo, exigindo uma continuação lógica, más velhas, mortas. Só ela própria sobrevivera, ainda respirando. E a sua frente um novo campo, ainda sem cor a madrugada emergindo. Atravessar suas brumas para enxerga-lo. Não poderia recuar, não sabia por que recuar.
Pg 179 ( Perto do coração
selvagem.)
CLARICE LISPECTOR
Colher fragmentos de conversas hoje pelas ruas me conduziu hoje a um
destino diferente. A voz do mundo tinha por tema ou trilha doença e morte.
Depois de muito perambular acabei em uma casa simples onde um velho moribundo
jazia em uma cama apodrecendo em vida. Era o que indicava o mau cheiro e as
moscas. Era um cômodo de subúrbio. E não me perguntem como acabei ali sentado
ao lado do leito segurando sua mão. Ele estava claramente nas ultimas. Seu rosto não me era familiar, mas podia ser
muito bem alguém do meu passado, pois no fundo sentia certa ternura por ele. Não podia salva-lo, mas
por alguma razão era lá que eu deveria estar. Sabia disso.
Não faço ideia do tempo que permaneci ali segurando sua mão sem dizer
uma única palavra. Só sei que o vi morrer e depois fui embora carregando luto.
A morte não cabe na trama das palavras. Elas estavam ausentes naquela ocasião.
Só se interessam por pessoas saudáveis e ativas que possam gerar gestos e
ações. Logo, eu deveria estar lá por outra razão. Mas não arrisco nenhum
palpite. A morte não é um tema que aprecio.
Mas aquele silencio que compartilhei com aquele moribundo parecia dizer
muita coisa sobre a natureza das palavras e sobre o seu jogo de manipulação das
coisas humanas.
Tudo só termina quando a vida acaba... E as palavras escrevem o texto
na expectativa do ponto final da morte apenas
pelo prazer de poder começar tudo de novo e fazer diferente o sempre igual. A
vida delas transcende nossa voz, nossa morte... Somos todos descartáveis desde
que o texto seja perpetuo na voz de alguém.
Como aquele velho moribundo tinha chegado até ali? Quais as suas
lembranças, experiências e realizações? Eu não fazia nenhuma ideia. Ele para
mim não habitava qualquer texto conhecido, não fazia parte de qualquer trama.
Mas e se fizesse? Isso mudaria alguma coisa? Ele estaria morto da mesma forma e
sem ter mais nada a dizer. Todas as suas
palavras estariam apagadas ou abandonadas em algum passado que desapareceria
com a sua memória.
Mas também existem palavras mortas, são aquelas que não são mais usadas
por ninguém ... Mesmo as palavras morrem... Não importa quantas vezes são
ditas.
A palavra morta é oxítona?
Talvez componha meu epitáfio ....
Meu derradeiro eco de silêncio
Que pouco será ouvido
Porque as pessoas falam demais.
Alguns fragmentos de conversas do
dia de hoje e dos quais não me lembrarei amanhã....
Sei que de algum modo eles ficarão enterrados dentro de mim entre os
tantos fantasmas das coisas que esqueci:
“Hoje esta tudo pela hora da morte. Principalmente o preço dos remédios.”
“Não deixe para me mandar flores quando eu morrer. Não saberei o
perfume.”
“ Basta estar vivo para morrer.
Afinal, como existiria a noite se não fosse o dia?”
“ Meu pai não durará muito e eu vou morrer um pouco com ele.”
“ A morte dos outros alimenta minha solidão, sabe?
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