sábado, 21 de fevereiro de 2009

SOBRE A AURELIA DE GÉRALD DE NERVAl


AURELIA é o mais intenso testemunho da obra de Gerard de Nerval (1808-1855), que poucos meses depois de escreve-la, consumido pela loucura, tiraria a própria vida ao se enforcar à rua Vieille Lanterne em Paris, nas grades da janela de um asilo noturno.
Nerval era uma alma inquieta em busca de uma vida mais verdadeira do que a mediocridade de sociedade a qual somos submetidos todos os dias.
A obra aqui comentada é certamente o mais ousado denmtre seus escritos. Trata-se de um exercício único de imaginação e erudição,de um mergulho no labirinto da sabedoria sob a inspiração do eterno feminino em sua divina multiplicidade interna (Anima). AURELIA inspira-se inegavelmente no canto órfico, mas vai alem dele. Não é exagero classificar essa preciosa obra como a alegoria de uma descida aos infernos da existência e, ao mesmo tempo, uma revelação ou gnose na transfiguração rebelde de todas as tradições e imagens religiosas...


“O sonho é uma segunda vida. Eu não pude transpor essas portas de cornucópia ou marfim que nos separam do mundo invisível sem deixar de estremecer. Os primeiros instantes do sono são a imagem da morte; um entorpecimento nebuloso apodera-se de nosso pensamento e não podemos determinar o instante preciso em que o Eu, sob a sua outra forma, prossegue a obra da existência. Um vago subterrâneo ilumina-se aos poucos, e da sombra e da noite desprendem-se as validas figuras gravemente imóveis que habitam a morada dos limbos. Depois o quadro se forma, uma nova claridade ilumina essas aparições extraordinárias, animando-as: o mundo9 dos Espíritos se abre para nós.
Swedenborg chamava tais aparições de Memorabilia. Ele as atribuía com mais freqüência ao devaneio do que ao sono; O asno de Ouro de Apuleu, a Divina Comédia de Dante, são os modelos poéticos desses estudos da alma humana. Tentarei, a exemplo deles, transcrever as impressões de uma longa doença ocorrida nos mistérios do meu espírito- não sei por que me sirvo deste termo doença, pois jamais, no que me sentia duplamente mais forte e ativo; parecia-me saber tudo, compreender tudo; a imaginação trazia-me delicias infinitas. Recobrando o que os homens chamam de razão, não devia lamentar te-los perdido?...”

(Gerard de Nerval. Aurélia/tradução de Luis Augusto Contador Borges. SP: Iluminuras, 1991, p. 35)

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