quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

A ILUSÃO DA VIDA (PARTE DOIS)



Agora eu estava nessa situação sem entender absolutamente nada do que acontecia. A vida que havia abandonado já não era mais exatamente aquela vida horrível que eu pensava. Muita coisa  a minha volta me  escapava. O pior de tudo era o que as pessoas  pensavam  sobre mim... definitivamente, não dá para confiar em  outro ser humano.  O fato é que eu tinha uma avaliação muito rasa sobre tudo o que me acontecia.

Quanto ao pacto diabólico, ele havia me dado outra vida para fugir da primeira e agora me induzia a duvidar das duas. Não entendia realmente porra nenhuma do que estava acontecendo. Nem mesmo queria entender alguma coisa. Não valia a pena. Tudo que importava era continuar respirando.
Afinal quem eu era? Tudo havia começado faz muitos anos e a verdade é que eu já havia mudado de vida incontáveis vezes. Eu não era ninguém e, justo por isso, havia sido muitos. Nenhuma versão de mim, entretanto, conseguiu dar certo, adaptar-se plenamente a própria mentira. 

Os pactos diabolicos eram uma estratégia antiga, como revelava o dossiê contido na pasta. Minha existência era um jogo entre lucidez e loucura onde eu buscava a fantasia ideal. Difícil dizer qualquer coisa sobre mim que não redundasse em  incerta. Não tinha passado, presente ou futuro. Tudo era inventado e reinventado constantemente. Eu era meu próprio irmão gêmeo... mas quantos mais eu seria?

Havia chegado o momento de superar tudo isso, tornar a ilusão transparente. Talvez por isso tenham revelado toda a trama. A fantasia devia não estar funcionando.  Instintivamente eu sabia que precisava fugir de tudo. Que aquilo era um sinal de que as coisas não estavam indo bem. Sabe-se lá...  poderiam estar pensando em me eliminar como caso perdido.

Pensando assim, peguei um carro e decidi dirigir até o fim do mundo. Não tinha um plano. Mas talvez o fim do mundo fosse aquela pequena cidade em que nasci. Era lá que tudo deveria terminar. Lá onde começou...

Depois de algumas poucas horas na estrada cheguei aquele pequeno centro urbano onde cresci e deveria me parecer familiar. Mas eu não conseguia reconhecer qualquer vestígio de passado em qualquer parte. Nem mesmo sabia o que encontrar. Família, amigos? Não tinha   lembranças precisas do meu passado. Mas sabia que era naquela pacata e insignificante cidade onde havia nascido. Todos precisam de uma origem. E era isso que eu estava buscando: meu ponto de partida.

De repente o telefone tocou. A voz masculina e cadavérica do outro lado da linha se identificava como representante do pacto diabólico.  Me repreendia por ter pego a estrada  e me ordenava a voltar. Respondi com um palavrão e desliguei o telefone.  Mas era obvio o sentido daquilo.  Talvez eu estivesse equivocado quanto a minha origem. Pode ser que nada que eu soubesse sobre mim fosse confiável.

Quando me dei conta estava estacionado em frente ao cemitério da cidade. Desci do carro e , como se soubesse o que estava fazendo,  caminhei até uma determinada sepultura. O nome  esculpido na lapide não era o meu, mas a foto que o decorava era minha. Então me dei conta daquilo que sabia o tempo todo, mesmo sem ter consciência disso: eu estava morto. Nada daquilo estava acontecendo. Eu não existia. Não havia qualquer realidade ou solução.  

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