sexta-feira, 31 de outubro de 2008

ARTAUD E VAN GOGH...




Antonin Artaud deu em sua contribuição ao surrealismo uma didática do desespero e da revolta na mais absoluta e positiva ruptura com o cotidiano. Em um de seus textos clássicos "Van Gogh. O Suicidado da Sociedade" ele expressa o quanto com absoluta radicalidade... Esse ensaio foi composto a partir de textos escritos em 1947. Segue um fragmento de sua introdução que nos afirma o quanto a “normalidade” é insana... Afinal, qual é a distância entre bom senso e loucura? Tudo depende de nossa capacidade de acreditar sinceramente em alguma coisa...

“Pode-se falar da boa saude mental de Van Gogh que, em toda a sua vida, apenas queimou uma mão e, fora disso, não fez mais que cortar uma vez a orelha esquerda,
Num mundo em que se come todo dia vagina assada ao molho verde ou sexo de recém nascido flagelado e enraivecido,
Tal como foi colhido à saída do sexo materno.
E isto não é uma imagem, mas um fato abundante e cotidianamente repetido e cultivado por toda a terra.
E é assim, por mais delirante que possa parecer essa afirmação, que a vida presente se mantém em sua velha atmosfera de estupro, de anarquia, de desordem, de delírio, de desregramento, de loucura crônica, de inércia burguesa, de anomalia psíquica ( pois não é o homem, mas o mundo que se tornou um anormal), de proposital desonestidade e de insigne tartufice, de imundo desprezo por tudo aquilo que tem raça,
De reivindicação de uma ordem inteiramente baseada no cumprimento de uma injustiça primitiva,
De crime organizado, enfim.
Isso vai mal porque a consciência doente tem um interesse capital, nesse momento, em não sair de sua doença.
È assim que uma sociedade tarada inventou a psiquiatria, para se defender das investigações de certas lucidezes superiores cujas faculdades de adivinhação a incomodavam.”

(Antonin Artaud. Linguagem e Vida/ Organização e tradução de J Guinsburg, Silvia Fernandes Telesi e Antônio Machado Neto. SP: Editora Perspectiva, s/d, p, 256.)

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