sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

QUASE MORTO

Já fazia alguns anos que não sabia o que era ter um dia descente e uma noite de sono tranquila. Sua existência era preenchida pelo vazio de rotinas que não lhe diziam nada e pessoas com as quais compartilhava as mesmas paisagens de existência, mas que já não significavam nada para ele. Com muita má vontade lhes dirigia palavras corriqueiras e pragmáticas no enfadonho participar de pequenas tarefas e rituais de sociabilidade e artificialismo de etiqueta social.
Definitivamente se quer sabia se a vida que agora levava poderia ser chamada de vida. As horas preso em engarrafamentos antes de chegar ao escritório onde trabalhava, as tarefas mecânicas de labor que não lhe realizavam enquanto persona social, a casa de um quarto no subúrbio, sempre desarrumada e vazia, na qual se abrigava  ao final do dia apenas para se refazer e reeditar aquela merda de rotina...  Tudo aquilo beirava o insuportável.
Mas não havia opções. Nenhuma expectativa de desconstrução do melancólico acontecer das coisas do qual fora prisioneiro nos últimos anos. Sentia-se cada vez mais estagnado e alheio a suas ambições e pretensões mais legitimas.
Também já não sabia dizer quem era, se esquecera da Família a qual pertencia, dos velhos amigos, mulher e filhos. Vivia exclusivamente para aquela porcaria de vida a qual se via irremediavelmente preso.
Não tinha mais nome, não tinha lembranças, nem mesmo desejos ou vontades, de tão entorpecido por sua precária realidade. 

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